Médico especialista em doenças tropicais, deputado do Partido Republicano, maçom, ministro do Interior, presidente do Ministério (equivalente a primeiro-ministro) e ministro das Colónias durante a I Guerra Mundial e, finalmente, Presidente da República – o único a exercer o mandato completo (1919-1923) durante o período instável e atribulado da I República. O riquíssimo currículo profissional e político de António José de Almeida encontra-se detalhadamente espelhado no arquivo-biblioteca particular do antigo chefe de Estado, outrora instalado na sua casa de Penacova, distrito de Coimbra. São milhares de documentos, manuscritos, cartas, cartazes, fotografias, livros, periódicos, recortes, etc., que a Livraria Castro e Silva, em Lisboa, tem atualmente para venda. O preço pedido é 50 mil euros.
«Esta é a parte da biblioteca que estava em mau estado, suja ou esquecida, ou que os herdeiros consideraram que não tinha tanto interesse e, por isso, não foi vendida», explica Pedro Castro e Silva, proprietário da livraria. «Não é a parte que seria comercialmente mais apetecível, é a parte mais de estudo. Os livros do Eça ou do Camilo, digamos, terão sido divididos pela família ou vendidos antes. Estes são livros em francês, revistas, muitos jornais sobre ele – era um homem muito metódico que guardava tudo e cuidava de arquivar o que era escrito sobre ele na imprensa internacional».
Para Pedro Castro e Silva, «o importante é conjunto, porque permite ter uma ideia do homem». E continua: «Quando nós chegamos a uma biblioteca, por pequena que seja, fazemos um retrato de quem era aquela pessoa, dos livros que lia, dos interesses que tinha. Isso, para os investigadores, é uma parte um pouco menos oficial».
E que tipo de interesses revela este arquivo-biblioteca de António José de Almeida? «Por exemplo, ele tinha bastantes livros sobre espiritismo. Essa é uma coisa engraçada de que me lembro, mas tinha tudo – muitos livros de maçonaria, muita coisa de política ainda do tempo da monarquia, livros sobre assuntos como feminismo, civismo, psicologia, psicologia das multidões, coisas com que todos os políticos, de certa forma, acabam por ter de lidar», enumera Pedro Castro e Silva. «Isso é possível perceber pelas fichas dos atados, que nós guardámos. Ele próprio, em cada macinho de livros, passava um cordel e punha uma folha de papel em que escrevia qual era o assunto daqueles livros. Isso permite saber as temáticas que ele lia. Quando precisava de consultar, tirava o maço de livros da prateleira».
Embora o livreiro valorize sobretudo o conjunto, há núcleos que se destacam, como as 230 fotografias de São Tomé e Príncipe, quando A. J. de Almeida, depois de se licenciar em Medicina, em Coimbra, ali esteve a exercer entre 1896 e 1903. «Ele ia às roças e tratava os serviçais», explica o livreiro.
Regressado a Portugal, envolveu-se na política (embora já tivesse publicado o seu primeiro artigo em 1889 e sido preso no ano seguinte, por atacar o Rei D. Carlos na imprensa a propósito do Ultimato inglês).
Em 1906 foi eleito deputado pelo Partido Republicano; em 1912, em choque com Afonso Costa, fundou o Partido Evolucionista. Chegou a ministro em 1910, a chefe do Governo em 1916 e a Presidente da República em 1919.
Do período da I Guerra (1914-18), o acervo possui relatórios da evolução da situação militar em Angola e Moçambique. E um dicionário criptográfico que o então ministro das Colónias «usava para trocar mensagens codificadas» com os governadores e oficiais no terreno.
Já da fase da Presidência há «a parte da caridade, os pedidos de indulto ou comutação de penas, ou os que as pessoas falidas lhe mandavam», explica o livreiro. A morte de A. J. de Almeida – que toda a vida se interessou pelo que a imprensa escrevia sobre ele – também está abundantemente documentada no arquivo por jornais recolhidos pela viúva.