O risco da verdade

Os indicadores ainda não são suficientemente bons. Explique-se, como a chanceler alemã fez, o que significam e que consequências têm as variações dos números…

Não, infelizmente nem tudo está a correr bem.

Continuamos há muito tempo à espera de indicadores salvíficos que teimam em chegar e vivemos da interpretação virtuosa sobre eles feita.

Com oscilações mais do que evidentes, sublinhe-se.

Foi o pico, foi o achatamento, foi o planalto, é o R0.

O certo é que, estas semanas todas volvidas, continua a crescer, embora a ritmo inferior, o número de infetados e ainda não é aceitável o indicador do número de contágios possível.

Comparamos com outros países e damos graças por não sermos Espanha, ou Itália, ou Estados Unidos e desesperamos por não ser Grécia ou Nova Zelândia.

É por essas e outras que a incomodidade é grande.

Tempos atrás li uma notícia sobre o modo de ultrapassar uma situação impossível. A solução era congelar o corpo até que a resposta pudesse acontecer.

O certo é que não se congela um país.

Portanto, por mais tempo que consigamos ficar fechados em casa dentro da arca frigorífica, alguma outra decisão deve ser tomada.

 

Percebe-se que os indicadores ainda não são suficientemente bons.

Mas, então, diga-se isso claramente.

Explique-se, como a chanceler alemã fez, o que significam e que consequências têm as variações dos números.

O que mais angustia é a incerteza. 

Não podemos num dia desenhar um caminho e no dia seguinte voltar atrás.

Não é aceitável surpreender no decisor a eterna dúvida, ou o silêncio comprometido, ou o teste às reações a fugas de informação controladas.

Se a solução é acabar com o confinamento, então assuma-se a responsabilidade, diga-se quando e como e em que condições práticas.

 

Não se perca tempo com a discussão absurda entre estado de emergência e estado de necessidade, fingindo não perceber o que está em jogo, para fugir à questão essencial.

Temos um longo calvário económico pela nossa frente.

Teremos um problema financeiro grave.

Como é que vamos resolver isso?

Só com a ajuda da Europa.

Com ou sem mais austeridade?

Dependendo das condições de acesso ao Fundo do bilião e meio.

Esta é a realidade nua e crua.

A União Europeia não pode fazer de conta que tomou uma deliberação limitando-se a um exercício de equilíbrio e adiando.

A resposta a um desafio desta dimensão tinha que ser total e não deixar cada um entregue à sua sorte.

Convivemos, nesta altura, entre a ameaça de uma segunda vaga a que não consigamos responder e a realidade crescente do desemprego, do corte de rendimentos, da fome.

E com a doença das empresas que não têm recursos, nem procura, nem grande esperança de vida.

 

Nem tudo corre mal, também, é justo dizê-lo.

O país está consciente, tem respondido bem, tem-se superado no sacrifício.

Adivinha-se que aprendeu a reagir, a defender-se, a arriscar com prudência, a ser exigente.

E sabe que nada poderá ser feito, no futuro, sem o rigor e o cuidado indispensáveis.

Por exemplo, não pode anunciar-se um país como destino de refugiados e descobrir-se, depois, a ignorância das entidades responsáveis pela condições de alojamento indignas.

Não pode ser por isso que o R0 aumenta como aumentou.

É que são estes pequenos pormenores que nos fazem tropeçar.