Terei sido eu o único a pensar que o Estado de Emergência decretado e as regras de confinamento que se seguiram poderia dar uma grande oportunidade ao livro?
A primeira quinzena do confinamento forçado passei-a em Cabeceiras de Basto. Desdenhei a oferta do operador de televisão para um imperdível pacote de canais, instalei a velha TDT apenas para saber do mundo lá fora. Desempoeirei o velho cadeirão bamboleante e, à sombra da japoneira, no alpendre, sobre um tapete de camélias que fiz questão de não varrer, li todos os livros que fui acumulando na estante.
Como desperdiçar tão boa oportunidade?
Por isso, não escondo que fiquei um pouco surpreso pela crueza dos números quando foi anunciado que no mês de março se apontava já para perdas de 2/3 nas vendas de livros face ao período homólogo de 2019; a situação previsível para abril apontaria uma quebra próxima dos 85%.
Bem sei que o facto das grandes cadeias de vendas estarem encerradas possa ter contribuído para isso mas, convenhamos, que perante a estoicidade dos livreiros resistentes e as possibilidades (facilitadas) de compras online o resultado fosse mais animador para uma ocasião, quase única, de fazer do prazer da leitura um hábito.
O Dia Mundial do Livro foi a oportunidade para se voltar à velha discussão acerca da crise do livro. Logo o governo anunciou o placebo da ordem: 400.000 euros de ajuda ao sector sob a forma de aquisição de livros às pequenas editoras e livreiros. Muitos reclamam: – Insuficiente! – e provavelmente será. Exige-se, no entanto, alguma responsabilidade social: o cenário geral de crise é transversal a todos os setores de atividade e um Estado Providência tem limitações, particularmente perante uma crise que se avizinha.
A crise do livro é pré-pandémica; há muito se discute a viabilidade do setor, como reverter a crise. Exige-se mais investimentos do Estado na área cultural, mais ação, mais estímulos na promoção do livro e da leitura, mais apoio. Algo se tem feito mas a eficácia deverá ser discutida: estatísticas recentes indicam como os hábitos de leitura dos portugueses são sofríveis, e não me reporto só a um nível Europeu, onde estamos na cauda; lê-se menos em Portugal do que na Nigéria!, dizem os números.
Em Portugal vendem-se cerca de 12 milhões de livros mas entre 60 a 70% são vendidos no período de Natal, fazendo do livro a prenda favorita. Temo em perguntar: – Quantos desses livros serão lidos?
E o leitor? Sim, todos nós! Fala-se em promoção da leitura como uma ação ausente de nós. Como estamos como leitores? Acabamos sempre nas mesmas esfarrapadas desculpas? – Não tenho tempo, trabalho muito, os livros estão muito caros, tenho de ir ao ginásio, há muitos filmes para ver, muito futebol, muitos canais, muitos programas etc. Queixamo-nos de cada vez mais sermos reféns de uma cultura de massa descartável que nos imbeciliza, mas renunciamos a ser agentes da mudança.
Esta autoindulgência castiga-nos e vamos perdendo oportunidades como esta: tempo para nos entregarmos a um livro. Tão somente!
Qual a desculpa agora para não darmos uma oportunidade a nós próprios?
Jorge Castelo Branco, Editor da Seda Publicações /Gugol Livreiros