Gilles de Rais. Matar criancinhas para combater o tédio

Herói da Guerra dos Cem Anos, combatente ao lado de Joana d’Arc, Marechal de França, Gilles aborreceu-se da vida civil e dedicou-se ao estudo da alquimia, da magia negra e desenvolveu o vício de violar e decapitar rapazinhos dos 6 aos 18 anos.

Se o termo se utilizasse na altura, poderíamos dizer que Gilles sofria de spleen. Ou seja, de bocejo em bocejo, ia vendo passar as horas e os dias e achava tudo uma grandessíssima estucha. Não era para menos. Tinha sido um dos protagonista da Guerra dos Cem Anos, elevado ao cargo de Marechal de França, combatido lado a lado com uma rapariguinha que tinha fama de adoidada mas ficou para a História como a grande Joana d’Arc, em Orleães e em Patay, derrotando os ingleses em ambas as batalhas. Aos 24 anos era um herói e tratado pelo rei Carlos VII como um irmão, sendo-lhe concedida a honra de poder usar a flor-de-lys no seu escudo de armas, o que significava publicamente que atingira a mais alta honra a que um soldado francês poderia ambicionar. Depois, aborreceu-se de morte… E o termo não caiu aqui do céu aos trambolhões. Porque Gilles de Rais, nascido em setembro de 1405, no castelo da família em Champtocé-sur-Loire, filho de gente finíssima como Guy II de Montmorency-Laval e sua esposa Marie de Craon, descobriu que a única forma de ultrapassar esse estado de letargia que o deixava praticamente anémico era matar gente. Muita gente. Em especial criancinhas.

Ao contrário de muitos canalhas da sua laia, Gilles não nasceu com o cérebro atrofiado, fixado em ideias soturnas e em pensamentos macabros. Foi um rapazinho atinado, falava fluentemente latim, tinha maneiras, era disciplinado e estudioso, tal como o seu irmão mais novo, René de la Suze. Marie, a mãe, não era grandemente saudável e deixou-os órfãos em 1415. O pai seguiu-a quase de imediato ao ser morto por engano numa caçada aos javalis numa das suas extensas propriedades, embora não haja qualquer referência histórica com possíveis semelhanças suas com que suíno fosse. Os dois rapazes passaram, assim, para a tutela de Jean de Craon, seu avô materno, um fulano que Guy detestava por razões familiares que não vêm aqui a propósito. Jean não tardou a casar Gilles o mais rapidamente que pôde, adolescente ainda, com Catherine de Thouars, herdeira de La Vendée e de Poitou, hectares e hectares de terras, construindo à força um casalinho para o qual o dinheiro abundava de tal ordem que poderiam muito bem tomar banhos de imersão diários em moedas de ouro.

A vida do jovem de Rais desenrolava-se a uma velocidade vertiginosa. Foi pai de uma menina, Marie, sua única descendente, e entrou para o exército e, de 1427 a 1435, bateu-lhe galhardamente ao serviço do seu monarca, como já se percebeu pelas distinções atrás alancadas.

Educado como crente, Gilles aumentou a sua fé nos campos de batalha à medida que ia fazendo súplicas e promessas aos santos da sua devoção. Terminada a guerra, dedicou-se àquelas que considerava virem a ser as duas grandes obras da sua vida: a construção da Capela dos Santos Inocentes e a produção de um espetáculo teatral com o nome de O Mistério do Cerco de Orleães, uma excentricidade que necessitaria de mais de 140 atores. Ao mesmo tempo, esbanjador como era, ia ficando pobre. A sua situação económica atingiu de tal forma as raias da indigência que a sua família requereu a Carlos VIII que tomasse providências. O rei, preocupado com o amigo, fez publicar um edital proibindo a compra de mais propriedades de Gilles em Orleães, Tours, Angers, Pouzauges e zona do Loire. O problema é que a morte do tutor e avô em 1432 tinha deixado o Marechal de França convicto de uma independência e de um poder que não eram bem da envergadura daquilo que supunha. O futuro não anunciava nada de muito bom.

 

Rapazinhos…

Crê-se que Gilles de Rais terá cometido o seu primeiro assassinato em 1431, ainda era uma figura invejada. Uns anos mais tarde começou a convidar para grandes festas nos seus castelos uma série de rapazinhos que depois conduzia aos seus aposentos onde os pendurava pelo pescoço, por uma corda ou por uma corrente, de uma das traves do teto. Entretinha-se a conversar com eles, mantendo-os praticamente inconscientes, devolvia-os ao chão, despia-os e violava-os. Nada que o saciasse. Em seguida cortava-lhes o pescoço utilizando uma faca conhecida pelo nome de braquemard, com dupla lâmina muito afiada. O sangue voltava a despertar-lhe o desejo e Gilles violava os corpos decapitados durante tanto tempo que, ao atingir o orgasmo, colapsava e eram os seus criados e cúmplices que o deitavam confortavelmente na cama onde dormia durante horas a fio um sono que poderia ser dos justos não se conhecesse o caráter do velhaco.

Entretanto vira-se livre das suas propriedades em Poitou e em_Maine, mantendo apenas os castelos de Anjou e Champtocé-sur-Loire. O sangue obcecava-o e os seus comportamento erráticos atingiram as raias da loucura. Numa das suas posteriores confissões, relatou que entre 1432 e 1433 tinha posto fim à vida de várias crianças, mas não conseguiu estabelecer um número correto. Logo em seguida, mudara-se para Machecoul onde tratou de executar mais uma série de garotos. Não lhe pedissem contas. A memória não reservava espaço para tantos mortos nem sequer para a identificação desses mortos. Para de Rais limitavam-se a ser cadáveres de seres que lhe tinham permitido um reconfortante prazer sexual. Confessou igualmente que apertar o pescoço de um miúdo com uma corda até o ver ficar arroxeado e sem poder respirar lhe provocava ereções inexcedíveis.

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