A autópsia feita ao corpo da menina de nove anos encontrada morta no passado domingo num eucaliptal em Peniche revelou que a causa da morte da menor foram agressões violentas, contrariando a tese acidental do pai da menor. Este resultado foi anunciado horas depois de o interrogatório ao pai e à madrasta da menina ter sido adiado para esta terça-feira de manhã. Era esperado que tanto Sandro Bernardo como a mulher, Márcia, fossem ouvidos esta segunda-feira à tarde, mas o tribunal de Leiria quer ter acesso ao relatório da autópsia antes de ouvir os dois suspeitos da morte de Valentina Fonseca.
O pai e a madrasta da menina, cujo corpo foi escondido numa zona de mato na Serra d’El-Rei, a cerca de seis quilómetros da casa dos dois suspeitos, estão fortemente indiciados de homicídio qualificado – pena de prisão que pode ir até aos 25 anos – e de profanação de cadáver, punível até dois anos de prisão. Mas, apesar de existirem suspeitas de que Valentina foi asfixiada pelo pai na casa de banho, o caso permanece ainda a cargo do Ministério Público, que vai esta terça-feira levar os suspeitos a interrogatório judicial depois de já terem sido ouvidos pela Polícia Judiciária (PJ) no dia em que o corpo foi encontrado.
Em reação à morte de Valentina, que inicialmente suspeitava-se de que vivia sob o regime de guarda partilhada mas residia atualmente com o pai para lhe ser facilitado o acesso às aulas através da internet devido à pandemia covid-19, a mãe da criança, Sónia Fonseca, fez uma publicação no Facebook a agradecer a todos aqueles que ajudaram nas buscas, não fazendo, no entanto, qualquer menção ao desfecho do caso nem ao facto de o seu ex-companheiro ser um dos suspeitos.
“Venho por este meio agradecer todas as ajudas que nos foram dadas… Às autoridades, a todas as pessoas que se ofereceram, no modo geral, nas buscas da minha filha. Em meu nome e em nome de toda a minha família, muito, muito, muito obrigada de coração”, escreveu nas redes sociais.
Mas não foi a única a reagir a esta morte com contornos macabros. A população de Atouguia da Baleia, vila onde Valentina residia, mostrou-se perplexa com o que aconteceu. À Lusa, foram vários os moradores que disseram que o pai e a madrasta da menina eram vistos como uma família normal. Luís Pereira, por exemplo, chegou a falar com o pai da criança para saber se já havia novidades sobre o seu paradeiro na sexta-feira, segundo dia de buscas. “Estou chocado. É impensável”, admitiu.
E Adelina Cândido, que conhece a família de Valentina, garantiu que, apesar de ser uma família pobre, são “muito boas pessoas”.O presidente da Junta de Freguesia, Afonso Clara, por seu turno, admitiu mesmo que estranhou o facto de o pai de Valentina “não ter cara de quem estava em sofrimento”, além de apresentar sempre um “ar sereno” durante as buscas, que reuniram dezenas de populares vindos de vários locais, nomeadamente Mafra, Lourinhã, Caldas da Rainha e Lisboa. “Este desenlace deixou-nos a todos chocados”, atirou.
Apesar de os moradores terem auxiliado as autoridades nas buscas, os autarcas têm agora receio de que os casos confirmados do novo coronavírus aumentem significativamente na região, uma vez que os cuidados de segurança e distanciamento social poderão ter passado para segundo plano, já que o foco naquela altura era encontrar Valentina.
Crime na quarta-feira
A PJ de Leiria já havia dito que não acredita que a morte de Valentina se tenha tratado de um acidente – tal como revelou a tese avançada pelo pai da menina -, mas sim de um homicídio qualificado e ocultação de cadáver. Na primeira análise, feita no domingo, não foi encontrado qualquer vestígio de sangue na casa dos dois suspeitos, pelo que a hipótese de morte acidental foi vista como pouco provável.
Segundo a PJ, a criança “morreu na habitação, na quarta-feira, num contexto de violência, durante o dia” e o corpo foi “levado ao final desse dia para aquele local”. No domingo à tarde, o pai da menor esteve na habitação a colaborar na reconstituição dos factos.Nas buscas participaram mais de 600 elementos, que bateram cerca de quatro mil hectares até encontrar o cadáver, tapado com arbustos. Sem confirmar que o pai confessara o local onde o cadáver havia sido deixado, o coordenador da Polícia Judiciária de Leiria, Francisco Jordão, adiantou que a descoberta da localização “partiu da análise” de interrogatórios e entrevistas a várias pessoas.
O irmão de Valentina, recorde-se, terá sido testemunha do processo e contado às autoridades que viu a menina a ir para a casa de banho tanto com o pai como com a madrasta e que não voltou a sair.