A brutal recessão económica, que resultará inevitavelmente da pandemia sanitária que o mundo sofre, só a partir de agora começa a ser visível para muita gente não se vislumbrando ainda as soluções que serão encontradas para a mitigar.
Não tenhamos ilusões, no contexto europeu em geral e no quadro da economia portuguesa em especial, os tempos vindouros serão tempos de enormes sacrifícios, sobretudo para aqueles que têm menos condições para os suportar.
O primeiro problema que a crise sanitária colocou foi o da falta de liquidez na generalidade das empresas, falta que teve de ser, no imediato, suprida pelas ajudas de estado, com o recurso ao crédito e o aumento das dívidas públicas na maior parte dos membros da UE.
Para esta emergência, a resposta europeia foi pronta e correta, pois ao suspender, transitoriamente, algumas regras do Pacto Fiscal, permitiu o referido endividamento suplementar e ao flexibilizar, parcialmente, as normas da concorrência que proíbem as ajudas estatais, viabilizou, no imediato, o apoio de tesouraria a boa parte do tecido empresarial.
São decisões de natureza transitória, que em breve terão de ser acomodadas às novas condicionantes da economia pois, a manterem-se na forma atual, acabariam, ironicamente, por beneficiar as economias mais fortes.
Este novo quadro regulatório só funcionou porque a indispensável liquidez foi assegurada pela Comissão e pelo BCE, que conseguiram evitar que os mercados impusessem, totalmente, a sua lei de ferro, embora não tenham impedido que se verificasse uma ainda ligeira fragmentação do crédito que, sem surpresas, está já a penalizar a economia portuguesa.
Numa fase de desconfinamento sanitário e início de retoma económica a situação está aparentemente sob controle e assim continuará se as linhas de financiamento propostas pela Comissão não forem neutralizadas por burocracias ou condicionalidades inaceitáveis e se o BCE não for impedido, pela justiça alemã, de continuar a sua política de «fazer tudo o que for preciso para salvar a economia europeia».
Na melhor das hipóteses, Portugal vai necessitar de cerca de 20 mil milhões de euros (mais ou menos 10% do PIB) para repor a economia no estado em que estava antes da epidemia. Com as medidas aprovadas a nível europeu, estará já assegurado, um financiamento de 4 mil milhões.
O Conselho Europeu encarregou, entretanto e mais uma vez, a Comissão Europeia de elaborar e apresentar uma proposta para um plano de recuperação, na linha do que tem sido exigido pela França, pela Itália e pela Espanha. No momento de elaboração desta reflexão ainda se desconhecem, em pormenor, as linhas essenciais desse plano, incluindo o volume financeiro que mobilizará.
Certo é que estão excluídas soluções que passem por uma excessiva mutualização da dívida (eurobonds ou aparentados) que se sustentem num grande empréstimo tutelado por obrigações perpétuas (através do BCE ou outros organismos) ou que impliquem um aumento significativo das contribuições dos estados membros para o orçamento da União.
Qualquer que seja a apreciação moral que façamos destas ‘regras’, estamos sujeitos a elas na nossa qualidade de membros da União e, reconheçamos que não nos temos dado mal com elas pois somos beneficiários líquidos das políticas europeias, ao contrário da Holanda e de outros que tanto tem sido criticados.
Dir-se-á que esses, mau grado a sua condição de contribuintes líquidos, são os grandes beneficiários do mercado interno, o que é verdade, mas isso é o resultado do grau de evolução das suas economias e das vantagens de competitividade que criaram ao longo dos anos. Esse terá de ser, pois, o objetivo prioritário para a economia portuguesa e 34 anos depois da adesão, já começa a ser tarde.
Não é agora mais possível alimentar ilusões inatingíveis nem continuar a manipular as opiniões públicas: o reclamado plano de recuperação estará seguramente alavancado no orçamento plurianual da União Europeia, que não se afastará muito da última proposta do Presidente do Conselho (Charles Michel), o que, através de uma complexa engenharia financeira (aumento do nível virtual de receitas próprias até 2% e reforço das garantias de programas já existentes como o InvestEU), irá permitir a mobilização de um grande empréstimo (numa ou várias fases) que chegará ao tão desejado bilião de euros.
As condições associados a este apoio e a repartição dos custos associados ao seu financiamento são matérias de natureza eminentemente política que, dificilmente, estarão esclarecidas antes da presidência alemã do segundo semestre deste ano.
A incerteza sobre as opções para a recuperação da economia, a complexidade política e institucional para gerar soluções rápidas e eficazes e a dificuldade de manter a coesão europeia, adicionam-se, em Portugal, às consequências negativas diretas da pandemia sanitária.
Em lugar de uma luta ridícula pelo “campeonato mundial da menor desgraça”, a propósito da pandemia, baseado, de resto, em dados pouco rigorosos, impõe-se, uma ampla unidade nacional que tem de assentar no confronto de ideias e de soluções e no respeito pelas opiniões divergentes e não na reclamação de um unanimismo politicamente irresponsável, que na prática não é mais de que a doença infantil do autoritarismo.
Pois se é certo, como Daniel Innerarity escreveu premonitoriamente, que vivemos no domínio de uma Política para Perplexos, ou seja no tempo do Fim das Certezas, também é irrefutável, como lembra Mário Zambujal, que «enquanto não são descobertas, as mentiras têm o nome de verdades».
O poder político, circunstancialmente dominante, mas também a oposição responsável têm urgentemente de mudar de ‘vícios’ e de métodos.