por Francisco Rocha Gonçalves
Vice-Presidente da Câmara Municipal de Oeiras
Quem está familiarizado com a saga d’O Padrinho recorda, certamente, a cena em que Michael Corleone afasta Tom Hagen, o conselheiro que há muito servia a família siciliana. Fá-lo na véspera de uma importante operação de vingança contra famílias rivais, cujo resultado cimentará a posição do novo líder. “Não és um consigliere para tempos de guerra, Tom”, justificou-se o Michael Corleone, interpretado por um jovem Al Pacino, aludindo aos tempos diferentes que a família se preparava para enfrentar. Apesar de tudo o que fez e que o levaram a ser o primeiro não italiano a ocupar a posição de consigliere na história contada por Mário Puzo, Tom Hagen já não era a solução adequada para os tempos que se avizinhavam e a sua função como principal conselheiro, como apoio fundamental do chefe da família, esgotara-se.
Lembrei-me desta cena do filme de Francis Ford Coppola quando assisti, como todos assistimos, ao episódio político protagonizado por António Costa e por Mário Centeno, esta semana, tendo Marcelo Rebelo de Sousa e o Partido Socialista como figura secundária e figurantes.
Aquilo a que assistimos, em direto, foi ao fim do mandato de Mário Centeno como principal apoio do líder António Costa, um apoio de tal forma considerado que chegou a ser encarado como o principal trunfo político do PS nas eleições legislativas de 2019, ofuscando, até o secretário-geral do partido e primeiro-ministro.
Só que, entretanto, o mundo mudou (assim como o tempo político) e o governo já não sente a necessidade de um consigliere das Finanças, que desempenhe o difícil papel de guardião das contas públicas e seja o derradeiro baluarte contra os gastos dos seus pares no conselho de ministros, a mão que fecha ou bate com a porta a todas as veleidades despesistas dos restantes ministérios.
Na verdade, a missão de Centeno no Ministério das Finanças e no governo esgotou-se a 31 de dezembro de 2019, quando encerrou o exercício orçamental anual com um excedente de 0,2% do produto interno bruto, o primeiro excedente orçamental desde que recuperámos a democracia, em 1974. O Instituto Nacional de Estatística confirmou este saldo histórico a 25 de março e, a partir daí, Mário Centeno podia dar o seu consulado como encerrado. Só não o terá feito porque já nos encontrávamos a viver em estado de emergência e em pleno combate contra a pandemia de covid-19, que tornou bem mais difusas as perspetivas futuras e aconselhava cautela.
No entanto, Centeno sabe que o seu percurso no governo terminou, independentemente de a saída ter sido possível em março, ter quase acontecido agora, em maio, ou venha a concretizar-se, finalmente, em junho ou julho. A rábula da saída para governador do Banco de Portugal comprova-o.
O facto é que, como Tom Hagen, Mário Centeno já não é o protagonista adequado ao tempo que desenrola. O mago das Finanças, que alicerçava resultados em cativações robustas e que já tinham custos políticos, que se apresentava mais como técnico do que como militante, era já alvo de contestação, mais ou menos explícita. É um consgliere das contas e dos quadros, dos agregados, dos saldos e das cativações, quando o que a realidade pedia, e agora exige ainda mais obstinadamente, é um conselheiro da Economia, que interprete as empresas e os agentes económicos, para que seja possível regressarmos ao caminho do crescimento e, por essa via, à melhoria da qualidade de vida.
Agora, ao contrário da personagem interpretada por Robert Duvall no filme de Coppola, Centeno não deverá voltar a ser um membro proeminente da família socialista, mas retirar-se-á, provavelmente para a Rua do Ouro, onde viverá dos rendimentos (políticos) dos resultados apresentados na Praça do Comércio.