O calendário da segunda e terceira fases de desconfinamento, definido pelo Governo para a retoma da economia, está a provocar um autêntico ataque de nervos aos responsáveis dos centros comerciais e marcas, impedidos de retomarem a sua atividade antes de 1 de junho. A Associação Portuguesa de Centros Comerciais (APCC) desdobrou-se, ao longo dos últimos quinze dias (desde a primeira fase de desconfinamento, a 4 de maio), em contactos e iniciativas que visavam sensibilizar o poder político para a necessidade de se antecipar para segunda-feira, dia 18, a reabertura de todas as lojas dos centros comerciais – uma campanha que, inclusive, incluiu o lançamento de um guia de boas práticas para assegurar as condições sanitárias e de segurança indispensáveis para clientes e colaboradores.
O esforço, porém, revelou-se em vão, pois as conclusões positivas e otimistas do Governo, saídas do conselho de ministros desta sexta-feira em relação presente e ao futuro, não permitiram ir muito mais além do que já estava anunciado: a reabertura de lojas até 400 metros quadrados com porta para a rua; e a novidade surgiu, somente, com a reabertura de lojas de dimensão igual ou superior a 400 metros quadrados, dependente de autorização da respetiva câmara municipal (embora, nestes casos, possa apenas ser, para já, utilizada uma aérea útil até 400 metros quadrados). Os centros comerciais que, neste momento, têm abertas ao público as lojas que comercializam bens de primeira necessidade e serviços considerados essenciais pelo Governo (como hipermercados ou livrarias, entre outras), que nunca fecharam durante a pandemia ou reabriram a partir de 4 de maio, vão ter de esperar mais quinze dias.
Ao SOL, o presidente da APCC, António Sampaio de Mattos, deixou o alerta que «quanto mais tempo a atividade dos centros comerciais permanecer condicionada, nomeadamente as atividades do setor da moda, maior será o impacto económico para os centros e para os seus lojistas, e menor será a escolha da população para realizar as suas compras em ambientes seguros e com procedimentos de higiene e segurança sanitária que dificilmente poderemos encontrar noutros locais».
Preocupado, o responsável considera que «é importante perceber que as empresas proprietárias e gestoras dos centros comerciais têm milhares de postos de trabalho que dependem também da sua saúde financeira» e que, além disso, «envolvem investidores que são fundos de pensões e fundos de investimento, os quais são resultado da poupança individual de uma parte da população». E deixa a garantia: «O setor dos centros comerciais cumpre com os mais exigentes standards de operação e de segurança sanitária, por isso, consideramos que existe fundamento para os lojistas serem autorizados a abrir», uma vez que «as mesmas atividades fora dos centros comerciais vão retomar o seu funcionamento», diz.
E a insatisfação aumenta de tom, quando as características dos espaços e das lojas se misturam e baralham. Como acontece, por exemplo, no Freeport de Alcochete ou similares, definidos por lei como centros comerciais, mas com lojas com portas para a rua, muitas das quais com menos de 400 metros quadrados. Também aqui a abertura ficou adiada para 1 de junho.
«Existem diferentes tipos e formatos de unidades de retalho imobiliário. A questão é complexa e a leitura da legislação pode levantar dúvidas, pois, em certas peças legislativas, é referido o termo ‘rua’ e em outras ‘porta aberta ao exterior’. Temos conhecimento que foi solicitado um pedido de esclarecimento para estes casos, junto do Governo», explica Sampaio Mattos. A resposta, todavia, ainda não chegou.
Marcas unem-se As exigências da APCC surgem em linha com as das várias marcas que operam em centros comerciais. Ao SOL, Sampaio Mattos considera ser «ainda prematuro prever consequências concretas no setor», mas sempre vai adiantando que «já assistimos a um forte condicionamento da economia perante a necessidade de conter e mitigar a pandemia de covid-19».
Entretanto, as marcas desesperam, mas ‘arregaçaram as mangas’ desde o início da primeira fase de desconfinamento, unindo-se na Unidas – Associação de Marcas de Retalho e Restauração de Portugal, que tem vindo a exigir do Governo medidas extraordinárias para o setor. A associação das marcas dirigiu mesmo uma carta ao ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, onde apresentou os seus problemas e pediu a implementação de «medidas essenciais» que possam garantir a sua própria sobrevivência. Entre as propostas, as marcas pedem a «consagração de um regime jurídico de exceção» para as relações contratuais com os centros comerciais. Sem quaisquer receitas desde a suspensão da atividade, está em risco o pagamento das rendas referentes aos meses de março, abril e maio, uma situação que, até aqui, tem vindo a ser gerida caso a caso. A Sonae Sierra, proprietária de vários centros comerciais no país, avançou com um desconto de 50% no valor das rendas durante estes três meses. Os restantes 50% podem ser pagos pelos lojistas ao longo de dois anos.
Segundo estudos de consultoras internacionais, a suspensão das lojas dos centros comerciais irá refletir quebras na faturação na ordem dos 70%; a recuperação do setor retalhista não alimentar será lenta e arrastar-se-á, pelo menos, até ao final de 2021.