O pai e a madrasta de Valentina Fonseca, menina de nove anos encontrada morta numa zona de eucaliptal da Serra D’El Rei, em Peniche, são suspeitos de matar a menor. Esta terá estado 13 horas em sofrimento no sofá, em casa, em Atouguia da Baleia, depois de ter sido agredida violentamente. Ambos vão agora aguardar julgamento em prisão preventiva, depois de terem sido ouvidos no tribunal de Leiria, de onde saíram algemados e insultados por populares que lhes iam chamando «assassinos».
O pai da menina, Sandro Bernardo, foi transferido para a cadeia anexa à Polícia Judiciária (PJ)de Lisboa, onde esta sexta-feira sofreu ferimentos, tendo sido transportado para o Hospital de São José. Segundo o SOL apurou, tudo aconteceu após alegadamente ter desferido cortes no próprio corpo. Foi durante a madrugada que, em isolamento, Sandro utilizou utensílios sanitários disponíveis na ala anexa à PJ para se cortar. Recebeu acompanhamento médico e depois foi levado para o Hospital Prisional de Caxias.
O pai e a madrasta de Valentina ficaram em prisão preventiva por serem suspeitos de matar a menor num cenário de agressões e violência. De acordo com as investigações e segundo um despacho judicial a que a Sábado teve acesso o progenitor terá queimado a menor com água quente, na banheira, por esta não lhe ter respondido se era vítima de abusos sexuais tanto por colegas da escola, como por um homem que tratava por padrinho. Sandro Bernardo queimou-lhe os pés e agrediu-a violentamente nas pernas e no rabo, tentando ainda asfixiá-la. Depois, deu-lhe uma forte pancada na cabeça, o que terá colocado Valentina inconsciente. O casal pegou depois na menina e transportou-a para o sofá, onde esta ficou em agonia, ao lado dos irmãos, que assim assistiram à sua morte. O filho da madrasta, recorde-se, contou às autoridades que viu Sandro e Márcia levarem Valentina para a casa de banho e que depois, no sofá, acompanhou o seu sofrimento até à morte, pensando que ela tinha adormecido.
De acordo com o depoimento da madrasta, Márcia Monteiro, em tribunal, a própria conduziu o carro que transportou o cadáver até à zona de eucaliptal, a cerca de seis quilómetros da casa onde viviam. Segundo disse, Valentina, enquanto estava a ser agredida, ainda tentou pedir-lhe ajuda através de linguagem corporal, mas Márcia terá ignorado o apelo.
O pai, de 32 anos, e a madrasta, de 38, que aguarda julgamento no Estabelecimento Prisional de Tires, viram assim ser-lhes aplicada a medida mais gravosa, coincidindo com aquilo que foi proposto pelo Ministério Público. De acordo com a oficial de Justiça, o pai de Valentina é acusado de homicídio qualificado, profanação de cadáver e um crime de violência doméstica, ao passo que a madrasta da menor de homicídio qualificado por omissão e também de profanação de cadáver. A acusação que diz respeito ao crime de violência doméstica apontado a Sandro Bernardo surge na sequência de o pai de Valentina ter confessado em tribunal que agrediu violentamente a criança no feriado do dia 1 de maio.
PJ não acreditou em acidente
O relatório preliminar da autópsia ao corpo de Valentina indicou que a menina, que residia com o pai para ter acesso à internet por causa das aulas online, foi vítima de agressões graves e morta num cenário macabro. Um resultado que confirmou as suspeitas da PJ de Leiria, mas contrariou a tese de acidente do pai, que havia alegado no dia em que foi detido, domingo, que a criança teve espasmos na banheira, acabando por morrer.
Segundo a PJ, que sempre viu como pouco provável a hipótese de morte acidental de Valentina, a criança «morreu na quarta-feira durante o dia» e o corpo foi levado para um eucaliptal no final desse mesmo dia. Seguiram-se quatro dias de buscas. A mãe da criança, Sónia Fonseca, fez uma publicação no Facebook a agradecer a todos aqueles que ajudaram a procurara a filha.
Na primeira análise da PJ, feita no domingo, não foi encontrado qualquer vestígio de sangue na casa dos dois suspeitos, pelo que a hipótese de morte acidental foi logo vista como pouco provável. No domingo à tarde, o pai da menor esteve na habitação a colaborar na reconstituição dos factos.
Nas buscas participaram mais de 600 elementos, que bateram cerca de quatro mil hectares até encontrar o cadáver, que estava tapado com arbustos.
Balões no último adeus
O funeral de Valentina realizou-se na terça-feira no cemitério do Bombarral. Teve início às 17h e juntou dezenas de pessoas nas imediações, com balões e flores, que acompanharam o trajeto do carro funerário, mas só os familiares diretos puderam assistir às cerimónias, devido às restrições impostas pela pandemia da covid-19.
No entanto, foi uma cerimónia cheia de momentos de tensão e em que se fez um minuto de silêncio por Valentina. A mãe da menor, em momentos de desespero, chegou a sentir-se mal, foi assistida no local e posteriormente transportada para uma unidade hospitalar.
A Junta de Freguesia de Atouguia da Baleia, por seu turno, decidiu transmitir ontem uma missa em homenagem à menina, na internet, no dia do seu funeral. Na Serra d’El-Rei, em Peniche, onde o corpo foi encontrado, tapado por arbustos, muitos populares também homenagearam Valentina com um memorial coberto de flores.
Reação de quem já perdeu uma filha
A mãe de Lara, bebé de dois anos que foi morta pelo pai no início de fevereiro de 2019, no Seixal, não quis deixar passar em branco a morte de Valentina e lamentou o sucedido através das redes sociais.
No Facebook, Sandra Cristina comentou a morte de «mais uma menina indefesa a quem o próprio progenitor tirou o direito à vida». «Se não existe amor, é preferível a indiferença; se não nutre compaixão, que siga a vida noutra direção. Mas o problema nunca é a criança. Ela é apenas o meio utilizado para atingir a mãe, seja por questões subjacentes a orgulho ferido, questões monetárias, problemas de ego ou falta de caráter oprimido», escreveu Sandra, criticando o trabalho das autoridades policiais nestes casos.