Gripe pneumónica. A tragédia que nos vacinou contra a pandemia de hoje

Após um terço da humanidade ter sido infetada pela gripe pneumónica, ‘somos descendentes de pessoas profundamente traumatizadas’, lembra a historiadora Nancy Bristow. O legado da catástrofe de há cem anos é a certeza de que o isolamento social funciona.

No início, na primavera de 1918, mal deram por ela: vivia-se o drama da Primeira Guerra Mundial. Mas a segunda vaga da gripe pneumónica, no outono, seria impossível de ignorar. Pelo meio, o vírus sofreu uma terrível transformação. Já não morriam só os velhos e os débeis, os mais afetados passaram a ser jovens adultos saudáveis. Caíam febris, com a pele azulada, sem grande explicação na altura – se os pés ficassem pretos, nunca mais se levantavam. Morreriam assim 30 a 100 milhões de pessoas por todo o planeta, dependendo da estimativa.

«Eles não conseguem ver os vírus ainda. Mas sabem que é uma doença transmissível e estão bastante seguros que deve ser transmitida por via aérea», descreve ao SOL a historiadora Nancy K. Bristow, autora do livro American Pandemic: The Lost Worlds of the 1918 Influenza Epidemic. Mesmo operando com base numa teoria, não em factos comprovados, os nossos antepassados de ambos os lados do Atlântico chegaram à mesma conclusão: é preciso manter as pessoas afastadas, o que agora chamamos de isolamento social.

Em Portugal, a resposta à pandemia de 1918 foi liderada pelo director-geral da saúde, Ricardo Jorge, que hoje dá nome ao Instituto Nacional de Saúde. A mais alta autoridade médica portuguesa «também era favorável às medidas clássicas de desinfeção, isolamento e ao abandono dos apertos de mão e beijos», relata José Manuel Sobral, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL). «Foram tomadas medidas como o encerramento de escolas e a proibição de feiras e romarias».

Atualmente, a ciência é unânime, estas medidas diminuíram o alastrar da gripe, que ainda assim infetou cerca de um terço da humanidade. Boa parte dos registos perderam-se, mas muitos sobreviveram, dada a escala da tragédia.

«Deixaram-nos muitos dados que pudemos usar agora, para estarmos seguros que o distanciamento social é de facto eficiente. Todas as perdas que sofreram em 1918 foram instrumentais em perceber como lidar com 2020», assegura Nancy Bristow. «Temos muita sorte em ter a história deles».

 

Uma segunda vaga mortífera

Hoje, suspeitamos que o que tornou a pneumónica tão letal foi a capacidade de causar tempestades de citocina, as pequenas proteínas que desencadeiam a nossa resposta imunitária. Em excesso, levam a brutais inflamações nos pulmões, entupindo-os de glóbulos brancos, fluidos e detritos. Em 1918, sobretudo na segunda vaga, adultos vigorosos, com sistemas imunitários fortes, sofreram mortes horríveis, afogados. A SARS-Cov-2 pode causar danos semelhantes, ainda que com muito menos frequência.

Afinal, porque é que a segunda vaga foi tão mortífera? À primeira vista, não faz sentido, para vírus como a gripe, a seleção natural favorece estirpes menos agressivas. No quotidiano, quem tem sintomas tende a sair menos de casa, a resguardar-se mais. Ou seja, quanto mais portadores assintomáticos, maior propagação. No entanto, em 1918, havia um lugar em que tudo estava ao contrário: nas trincheiras da Grande Guerra. Aí, entre massas humanas que se desfaziam contra metralhadoras e arame farpado, quem ficava doente era levado para as enfermarias – local privilegiado para o contágio.

A nova estirpe que lá surgiu, mais agressiva, evoluída para infetar jovens soldados, não se ficou pelos campos de batalha, defendeu Paul H. Ewald, hoje professor na Universidade de Louisville, no seu livro pioneiro Evolution of Infectious Disease, de 1993. Aliás, o rasto da segunda vaga começa com os navios de transporte de tropas que partiram de Plymouth, no Reino Unido, destinados a portos como Brest, em França, Boston, nos EUA, ou Freetown, na Libéria.

No mundo atual, é difícil imaginar condições tão degradantes como as trincheiras. Mas não é impossível: basta olhar para os lotados campos de refugiados à beira da Europa, nas ilhas gregas, Líbia ou Síria. «Os campos de refugiados são muito preocupantes no que toca aos danos das infeções. Estas condições podem favorecer estirpes agressivas», concorda Paul Ewald, ao SOL. Contudo, nos campos de refugiados, «as condições que poderiam favorecer a transmissão por indivíduos muito doentes são menos extensivas que perto da Frente Ocidental em 1918», salienta o perito em biologia evolutiva. Na altura, «pessoas e veículos transportavam sistematicamente um grande número de pessoas terrivelmente doentes, pondo-as em contacto com indivíduos suscetíveis». Mesmo que não se conseguissem levantar da cama, os soldados eram levados «da linha da frente, para pontos de triagem, para hospitais mais pequenos e depois hospitais maiores, dentro de horas ou dias».

«Não creio que os campos de refugiados sejam origem de estirpes excecionalmente agressivas que se espalhem amplamente fora deles», avalia Paul Ewald. É que, na maioria do planeta, «a seleção natural provavelmente está a funcionar na direção oposta», adianta. «A minha expectativa é que uma tendência descendente na mortalidade por infeção ocorra com a SARS-Cov-2. Esforços para reduzir a transmissão através de distanciamento social deverão contribuir».

 

Um pato e um porco

Poderemos nunca saber qual a origem da gripe pneumónica. Uns dizem que surgiu no Kansas, onde foi registado o primeiro caso, num cozinheiro de Camp Funston, e foi levada pelos recrutas para as trincheiras. Outros lembram um surto de uma doença respiratória desconhecida, em 1916, no quartel de Étaples, no norte de França, por onde passaram mais um milhão de soldados durante a guerra – as vítimas tinham febre, bronquite e a típica cor azul da pneumónica. Alguns até apontam a China como origem da doença, num surto semelhante em 1917, na província de Shanxi, em aldeias perto da Grande Muralha. Pode ter sido trazida pelos mais de 96 mil construtores chineses que trabalharam atrás das linhas francesas e britânicas, na frente ocidental.

Seja qual for a história, há sempre duas personagens em comum: um pato e um porco. A análise genética dos poucos exemplares do vírus – alguns encontrados em expedições ao Círculo Ártico, em busca dos cadáveres de esquimós, mortos pela pneumónica e preservados debaixo do gelo – indica esse percurso.

É que os os patos são reservatórios de quase todos os tipos de gripe, quase sem sintomas: se for nadar a qualquer lago, a probabilidade é que saia repleto de gripe aviária, dos excrementos. No entanto, esta não é transmissível a humanos, enquanto os porcos são sensíveis tanto aos vírus das aves como aos nossos. A teoria é que terá surgido um híbrido dentro de um porco, através daquilo a que alguns cientistas chamam ‘sexo viral’.

No Kansas rural muitos dependiam da pecuária, apontam uns. O quartel de Étaples era perto de um pântano cheio de aves migratórias e tinha uma pocilga, salientam outros. Na China, apenas podemos imaginar: então, o país era disputado entre senhores da guerra, quase não há registos.

 

Censura e vinho do Porto

Seja como for, aberta a caixa de Pandora, é difícil fechá-la. Em 1918, no fim do verão, a segunda vaga da pneumónica atravessou a Europa em meras semanas, acelerando na direção de Portugal. No país com a maior mortalidade por varíola, difteria e tifo do continente, flagelado pela tuberculose, o sentimento era de pavor.

«Há casos de gente com posses que se fecha em casa para tentar escapar ao contágio… E recorra ao vinho do Porto, que sempre aqueceria a garganta, como o malogrado pintor Amadeo Souza-Cardozo», descreve José Manuel Sobral. Nem isso salvou o artista, que sucumbiria à doença, aos 30 anos.

Não espanta que muitos se virassem para a religião, para a Virgem e os santos – um ano antes surgiam as aparições de Fátima. «Havia, como ainda hoje, quem acreditasse que a doença constituía um ‘castigo de Deus’», diz o investigador do ICS. Mas nem os pastorinhos de Fátima escaparam: Jacinta e Francisco morreriam na pandemia. Outros esqueciam a tragédia com o humor, multiplicavam-se os cartoons sobre a gripe, apesar do silêncio da imprensa, devido à censura da guerra.

É dessa censura que emerge o nome erróneo ‘gripe espanhola’. Com boa parte dos países a censurar notícias sobre a pandemia, não fosse desmoralizar a população e os soldados que combatiam na Grande Guerra, quase só a imprensa de Espanha, um país neutral, cobria o assunto. Vítimas de grande perfil, como o próprio Rei Afonso XIII, que ficou gravemente doente, criaram a sensação de que os nossos vizinhos eram os mais afetados. Mas não foi o caso. Em Portugal, por exemplo, a taxa de mortalidade seria mais elevada.

 

Botas a marchar, banhos, romarias e vindimas

Nos países envolvidos no primeiro conflito mundial, era a tempestade perfeita. Em Portugal, a situação era praticamente de sublevação: a popularidade do ‘Presidente-rei’, Sidónio Pais, fora desfeita pela chacina em La Lys, enquanto tropas marchavam de um lado para outro do país, espalhando a pneumónica. A isto juntava-se a migração balnear, no verão, quando aqueles com mais posses iam à praia ou às termas; também era o tempo das feiras, festas e procissões. No final de setembro, os trabalhadores iam às vindimas no Douro ou às colheitas no sul. Era a época dos caminhos-de-ferro e começavam a popularizar-se as viagens marítimas, um pouco como hoje com a aviação.

É que tanto a pandemia de 1918 como a atual «são o produto da mobilidade, hoje mais forte do que na época», lembra José Manuel Sobral. Na altura já havia noção disso, mas as restrições ao movimento e o isolamento social não foram aplicados de forma tão sistemática. Ricardo Jorge «achava que, por um lado, só uma vacina seria verdadeiramente eficaz, e, por outro, temia os efeitos nocivos para a economia dessas medidas, bem como o alarmismo e o desânimo que induziriam, se se incluísse o fecho dos teatros e dos cinemas», explica o investigador do ICS. O turbilhão político não ajudava – em dezembro de 1918, Sidónio Pais era assassinado na estação do Rossio, sucedendo-se golpes e contragolpes, revoluções e contra-revoluções – e o alcance do Estado era muito menor.

«Naquele tempo, sem rádio, telefone, televisão ou internet, não poderia existir um confinamento tão rigoroso», explica o historiador. Nas zonas mais isoladas e rurais, muitos podiam só se aperceber que algo se passava quando os vizinhos ficavam doentes. «Só havia jornais, para uma população que na maioria não sabia ler», nota Sobral.

Já nos Estados Unidos, o problema não era só a falta de comunicação. Num paralelo com a atualidade, havia focos de resistência às medidas contra o alastrar da pneumónica, as pessoas estavam fartas. O caso mais notório era São Francisco. «Quando chegou a segunda vaga da gripe, houve muita oposição à reimposição de quaisquer medidas. Não regressaram ao isolamento social, apenas ao uso de máscaras. E até a isso houve oposição», conta Nancy Bristow. Não surpreende que a cidade tenha tido uma das maiores taxas de mortalidade na Costa Oeste.

Quem estava mais exposto, como hoje, eram os pobres, emigrantes e negros. «A possibilidade de nos distanciarmos de pessoas doentes em nossa casa – isso não seria possível para muitos americanos na altura», exemplifica a historiadora. «Milhões de imigrantes recém-chegados viviam em condições miseráveis nos centros urbanos. De um lado, podiam viver 10 pessoas num quarto. Do outro, pessoas abastadas, com casas de campo, que podiam partir se fosse preciso». E a segregação de afrodescendentes era constante. «Eram pessoas mantidas fora dos hospitais ou mandadas para a cave», lamenta Bristow.

Entretanto, o silêncio do Presidente Woodrow Wilson era ensurdecedor. Nem uma única vez falou publicamente de uma doença que matou pelo menos 700 mil norte-americanos, apesar de ele mesmo a ter contraído. Wilson ficou gravemente doente e sofreu sequelas o resto da vida, mas na altura tinha outras preocupações – foi infetado quando negociava o Tratado de Versailles, em França.

 

Heróis e profetas

«Não havia muito que um médico pudesse fazer. O paciente estaria morto antes que o pudesse voltar ver. Poderia diagnosticar-te e dar-te algum medicamento e no dia seguinte estarias morto… O principal motivo para as consultas, todos os dias, era verificar quem estava morto e depois enterrá-los», escreveu um médico norte-americano, citado no livro de Nancy Bristow. Em 1918 a medicina fora ultrapassada, como hoje. O trabalho possível – minimizar o sofrimento dos doentes, manter condições de higiene – recaía nas mãos das enfermeiras, que então eram sobretudo mulheres.

«Não há dúvidas que são vistas como heroínas. São celebradas como profissionais e como mulheres, que é algo notável nos Estados Unidos. Creio que é parte do motivo pelo qual conseguiram o direito a votar. Foi a guerra e a pandemia, por terem um papel tão importante, publicamente», assegura Bristow. A partir do outono de 1918, os corpos já não se empilhavam apenas nas trincheiras: combatia-se em hospitais dos dois lados do Atlântico. Os avisos de Ricardo Jorge, durante a primeira vaga, de que a «face suave» da pneumónica podia esconder «intenções traiçoeiras», soavam proféticos.

Face ao desespero da pandemia, as receitas dos médicos eram pouco mais que palpites. Nos EUA, popularizavam-se os tratamentos mais absurdos, que fazem a sugestão de injetar desinfetante, por parte do Presidente Donald Trump, parecer quase razoável. Óleo de rícino para purgar as entranhas ou clisteres de aguarrás, injeções de cânfora e até sangrias, tão populares na Idade Média. Podia ser recomendado uma cataplasma de linhaça, esfregar cebolas no peito ou tomar um ovo misturado com sumo de laranja, a cada duas horas. Alguns apostavam na vacina para a febre tifoide, para estimular o sistema imunitário, ingeriam álcool em quantidades industriais ou tomavam quinina – se funcionava contra a malária, porque não? Em Portugal havia menos criatividade. «Quando a gripe viesse era ‘cama, tisanas, dieta e médico’», nota José Manuel Sobral. «Mas a maioria não podia sonhar, sequer, em recorrer ao último».

 

Histórias de família

Se não sabia muito sobre a gripe pneumónica, a maior tragédia do século XX, a doença mais mortífera desde a Peste Negra, talvez da história da humanidade, não estranhe. «Para que a memória de algo persista é precisa que se invista na sua persistência», explica José Manuel Sobral. E, no que toca à pneumónica, não havia grande interesse nisso. O contraste com a Grande Guerra, que cativou a imaginação do público durante anos, não podia ser maior. «Esta foi justificada como uma causa em que estava empenhada a própria existência nacional. Os portugueses, como outros, foram mobilizados para combater pela pátria e morrer por ela», lembra o investigador do ICS. «Os Estados construíram cemitérios, monumentos e memoriais – aquilo a que já se chamou ‘lugares da memória’ – para que esses factos, tidos como mais valorosos nas narrativas nacionalistas, nunca se esquecessem. Organizaram comemorações anuais, que perduram até hoje», enumera. «Nada disto existiu na pandemia, pois morrer involuntariamente de doença nada tem de heroico. E nenhum Estado celebra fraquezas ou impotência».

A memória da pandemia sobrevive sobretudo nas histórias de família. Nos contos de quem viveu a primeira catástrofe verdadeiramente global, mais ainda que a Primeira Guerra Mundial: face à gripe pneumónica, não havia países neutrais.

«Quando a equipa de que fiz parte começou a divulgar as suas investigações, vários académicos referiram-me existir nas suas famílias uma memória da pneumónica, ligada ao falecimento de familiares. E constatei, na minha própria família, que havia memória de doença generalizada nas aldeias da Beira», conta o historiador português. «É exatamente o mesmo nos Estados Unidos», concorda a historiadora norte-americana. «Quase não há qualquer comemoração ou memorial, mas a história ainda vive nalguma, pouca, literatura, e especialmente em histórias de família», explica. «É fascinante que quando dou palestras há sempre pessoas na audiência que dizem: ‘Oh, a minha bisavó isto, o meu tio-bisavô aquilo’. Todos têm uma história sobre a gripe pneumónica, mas não está nos livros de história».

«Milhões, milhões e milhões de pessoas tiveram de refazer as suas vidas, em todo o mundo. Muitos de nós somos descendentes de pessoas que foram, de uma maneira ou outra, profundamente traumatizadas ou sofreram perdas terríveis com esse flagelo de 1918», lembra Nancy Bristow. «Esse legado é mais difícil de identificar», considera. «É uma história não contada de trauma. Ou não suficientemente reconhecida».

 

Viver em conjunto

Depois do pico da gripe pneumónica, em outubro de 1918, e das celebrações do fim da Primeira Guerra Mundial, no mês seguinte, uma terceira vaga abateu-se sobre o mundo. No inverno de 1919, os casos começaram a surgir de novo na Austrália, fazendo o caminho de volta à Europa e os EUA. A catástrofe continuou, numa escala menor, até ao verão desse ano, quando a onda mortífera começou a desaparecer.

Pouco a pouco, a vida regressou ao normal. Estabelecimentos reabriram, ruas encheram-se de gente, multidões voltaram a juntar-se sem medo. Com tantos mortos ou infetados, boa parte dos sobreviventes tinham alguma imunidade. Contudo, o vírus continuava entre eles. Simplesmente tornara-se menos mortífero, aprendera a viver, mais ou menos, em harmonia com a humanidade: começavam os surtos sazonais.

«Seria ótimo podermos dizer que a pandemia desapareceu num dado dia», menciona Nancy Bristow. «De facto, os meus próprios bisavôs morreram em fevereiro de 1920, com quatro dias diferença um do outro. Foi o primeiro surto sazonal de gripe ou a quarta vaga? Não sei. Ainda discutimos isso».

Não é por acaso que chamam à gripe pneumónica a mãe de todas as pandemias. Está entre os vírus mais bem-sucedidos da história humana, a origem do género influenza A. Hoje, quando apanha uma gripe no inverno, é quase certo de que se trata de um descendente da pneumónica, com mais ou menos alterações – a gripe é conhecida pelo seu grande ritmo de mutação, muito maior que coronavírus como o SARS-Cov-2.

Pensa-se que o H1N1, o subtipo mais próximo da pneumónica, circulou continuamente até desaparecer nos anos 50, ultrapassado pelo seu primo H2N2, a chamada gripe asiática, na pandemia de 1957. Mas não era o fim da história para o H1N1, que ressurgiu em 1977. Terá saído da arca frigorífica de um cientista, sugere a análise genética. Ainda hoje se discute se isso aconteceu na União Soviética, na China, ou se foi consequência de uma fuga em Fort Dix, principal laboratório biológico das forças armadas dos EUA, no ano anterior. Desde então a família alargou-se – cada novo membro arrisca causar uma pandemia, apanhando o nosso sistema imunitário desprevenido.

É a constante transformação da influenza que leva caçadores de gripes, todos os anos, a recolherem milhares de amostras de saliva e muco de doentes por todo o mundo, enviando-as para cinco laboratórios da Organização Mundial de Saúde, em Atlanta, Londres, Pequim, Melbourne e Tóquio. A ideia é saber que tipos de gripe andam por aí, prever quais serão mais prevalentes. As linhagens mais prevalentes serão injetadas em milhões e milhões de ovos de galinha (não, as vacinas não são vegan) e multiplicar-se-ão, para serem adicionadas à vacina que recebemos no inverno seguinte.

Mesmo assim, a eficácia das vacinas da gripe é geralmente muito baixa. Na Europa, no inverno de 2018 e 2019, ficou-se por entre os 32% e os 43%, segundo o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças. Nesse ano, foi o H1N1 que mais circulou, seguido de perto pelo H3N2. Só em Portugal, nesse período, mais de três mil pessoas morreram de gripe. Muitas outras morrerão este ano.