A verdadeira situação da crise sanitária do coronavírus na Rússia tem sido motivo de muita especulação. Várias denúncias vindas da república do Daguestão relatam uma situação diferente da apresentada pelos dados oficiais.
Mais do que o número de casos – a Rússia tem mais de 317 mil infeções confirmadas – é o balanço de óbitos por covid-19 que tem sido mais posto em causa.
No domingo, o ministro da Saúde do Daguestão, Dzhamaludin Gadzhiibragimov, afirmou em direto no Instagram, numa entrevista a um jornalista local, que o número de infeções na região era superior ao oficial.
Na terça-feira, o Daguestão registava 3 553 casos confirmados e 32 mortes, cotando-se como a quinta região mais afetada, das 85 que compõe a Federação Russa. Mas o ministro da Saúde do Daguestão disse na entrevista, citada pela CNN, que o número total de infetados com coronavírus e o daqueles com pneumonia excedia os 13 mil, registando-se 657 mortes.
De acordo com Gadzhiibragimov, os pacientes com pneumonia estão a ser tratados como se estivessem infetados com coronavírus. No entanto, não são contabilizados como sofrendo de covid-19 pela falta de capacidade de testagem.
A mesma situação foi denunciada por ativistas, médicos e outros profissionais de saúde da linha da frente na região do sul da Rússia. Em declarações à BBC, o médico cirurgião pediátrico Ibrahim Yevtemirov diz que, além dele, outros sete colegas na sua vila, Khasavyrut, incluindo enfermeiros e pessoal de laboratório, ficaram infetados com covid-19. De acordo com o que disse à BBC, os profissionais estão a realizar a sua própria contagem.
“Todos os três médicos da minha equipa ficaram doentes. Fomos substituídos por dentistas até recuperarmos”, relatou por telefone à estação britânica, já de volta ao trabalho. “Durante o pico, morreram 10, 11 pacientes por dia cá”.
Ao diário britânico Guardian, Ziyatdin Uvaisov, líder da organização não-governamental Monitorização de Pacientes, que advoga por pelos direitos dos pacientes e dos profissionais de saúde, relata o mesmo problema na república russa. “Em algumas aldeias, cinco a seis pessoas estavam a morrer por dia”, disse. “Algumas viram 20 ou 40 morrerem”.
Uvaisov denunciou ainda a falta de equipamento médico e de proteção pessoal dos profissionais de saúde durante o pico de infeções, que só nos últimos dias é que começou a estabilizar: “O sistema hospitalar estava totalmente impreparado”. A ONG que lidera tem angariado fundos para comprar e distribuir máscaras médicas e outros equipamentos.
A falta de capacidade de testagem e a frequente oposição à realização de autópsias por parte dos familiares, além das mortes não relatadas em vilas isoladas, são as razões mais citadas para que o número oficial de mortes seja muito inferior ao total de óbitos atribuídos a outras doenças, como a pneumonia, diz o Guardian.
Vários responsáveis governamentais têm culpado a falta de confiança da população nas autoridades locais pelo surto; além da realização de eventos com grandes aglomerados, como casamentos, funerais e celebrações religiosas – como o Ramadão. Putin pediu à população de 3 milhões do Daguestão para celebrar o final do último em casa, diz o diário britânico.
Depois das denúncias de vários clérigos (o Daguestão é de maioria muçulmana), nomeadamente do mufti da república, que segundo a BBC denunciou a situação que a região atravessava a Putin como uma “catástrofe”, o Presidente russo interveio pessoalmente esta semana, pedindo a assistência das agências federais durante uma conferência nacional, informa o Guardian.
O Daguestão seria sempre suscetível ao vírus, diz a BBC, pois muitos homens locais conduzem camiões em trajetos de longa distância, atravessando a Rússia para viajar para o Irão e além. Os laços da república com Moscovo também abriram portas ao vírus, pois muitos locais que se lá encontravam fugiram para as suas aldeias quando foi declarado o bloqueio na capital do país, no final de março, sem qualquer controlo.
Não é só no Daguestão que se registam número de mortes por pneumonia muito superiores aos das provocadas pela covid-19. Este mês, o governador de São Petersburgo afirmou que 694 pessoas tinham morrido por pneumonia, um número 10 vezes superior aos óbitos oficiais por coronavírus.