por Francisco Rocha Gonçalves
Vice-Presidente da Câmara Municipal de Oeiras
Em pleno percurso de saída do confinamento, mas ainda a meio caminho para a tal normalidade possível, António Costa decidiu emular o comportamento histórico de Marcelo Rebelo de Sousa na criação de factos políticos, ao indiciar o seu apoio a uma recandidatura deste a Belém e colocar, assim, as eleições presidenciais no centro do debate político. Se olharmos com atenção para a sucessão de declarações nos dias seguintes, percebemos que este PS está com Marcelo, ainda que a decisão não tenha sido validada pelos órgãos do partido. Percebemos que Costa se antecipou ao centro-direita, que já só pode reagir, mas também ao partido e a Ana Gomes. Se estivéssemos no Parlamento, ouviríamos palmas e um clamor de “muito bem, muito bem”.
O PS tinha, em 2016, três candidatos às eleições provenientes da sua área política, apesar de não ter declarado apoio a qualquer um. Maria de Belém era a candidata quase oficial, mas indesejada, enquanto Sampaio da Nóvoa era o candidato desejado, mas só apoiado pelos socialistas, que não pelo PS. À multiplicação de candidaturas da área socialista sucederá, prevê-se, o vazio, mesmo que Ana Gomes insista em tentar reeditar o papel de Maria de Belém, para se posicionar, ainda que, no final, arrisque-se ser mais uma sucessora de Henrique Neto.
Marcelo Rebelo de Sousa não é uma figura do PS, mas sim o candidato natural do centro e do centro-direita. Há quatro anos, beneficiou do apoio formal do PSD e do CDS e foi este eleitorado que lhe deu a base para a vitória, à primeira volta, no quadro da campanha dos afetos, é certo, mas contra uma profusão de candidatos da esquerda; do centro às franjas, contavam-se seis candidatos de esquerda contra Marcelo. O natural seria que, volvidos cinco anos, se repetisse este posicionamento de base. Só que, parece que recuámos no tempo e aterrámos em 1991, quando o ex-secretário-geral socialista Mário Soares avançava para um passeio eleitoral de reeleição, depois de uma magistratura de influência num primeiro mandato sem sobressaltos, contando com o apoio formal do primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva e do PSD, que antes tinham apoiado Diogo Freitas do Amaral. O CDS ainda esboçou uma reação, com Basílio Horta, mas só para fazer prova de vida.
António Costa é um tático, como Cavaco Silva, que apostou na reeleição de um presidente com quem não se deu mal – no primeiro mandato, volto a sublinhar – e acantonou o PS de Jorge Sampaio na Câmara Municipal de Lisboa, limitando-lhe o aproveitamento eleitoral de uma vitória presidencial. Oito meses depois da posse de Soares para o segundo mandato presidencial, Cavaco registava a sua segunda maioria absolta consecutiva nas eleições legislativas. Agora, Costa antecipou-se ao centro-direita no apoio a Marcelo, com quem não se deu nada mal no primeiro mandato, limitando o PSD no possível aproveitamento de uma vitória eleitoral de alguém que pertence, obviamente, à esfera social-democrata.
Costa é um navegador de cabotagem e um jogador treinado nestes truques de mãos que dão cor ao espetáculo. Esta não é a primeira vez que se antecipa ao PSD, subtraindo-lhe posições; fê-lo, por exemplo, nas eleições legislativas, com a tónica que colocou na luta contra a corrupção ou no acerto das contas públicas. A prazo, no entanto, a história pode ser diferente e, a repetir-se, podemos sempre revisitar o segundo mandato de Soares-eleito-com-o-apoio-do-PSD para vermos que a fricção gerada pela coabitação pode ser muito dolorosa. Costa encabeça um governo minoritário e pode acabar refém de um Presidente forte, determinado em marcar o passo num segundo mandato sem continuação.