Sinto que já tudo foi escrito sobre o fenómeno ‘Como é que o bicho mexe’. Um original de Bruno Nogueira com um elenco heterogéneo e de luxo, que fez as delícias da nossa quarentena e que chegou ao fim, deixando em muitos uma enorme sensação de vazio.
Depois do último live, seguido por mais de 170k pessoas, quebrando todos os recordes e todas as barreiras, multiplicaram-se as análises sobre este fenómeno.
Sobre a forma como Bruno foi dia após dia escolhendo pessoas e temas, sobre as surpresas, sobre os momentos mais marcantes (de Vhills a Maria João Pires), sobre como as comunidades de uns e de outros cresceram neste cruzamento de personalidades, sobre como o live se tornou o formato da pandemia e como os números foram crescendo gradualmente ao longo de dois meses. Sobre como milhares de pessoas seguiam este talk show a olhar para um telemóvel, sem desistir ou perder até o último toque de piano de Filipe Melo.
Falam em case study e, desde logo, todos tentam descobrir uma receita que possam replicar e, de imediato, a corrente oponente fala na impossibilidade de se repetir algo que parte do improviso, do constante desconhecido e do mais puro dos talentos.
Fala-se numa nova era digital em que, de repente, os lives do Bruno Nogueira são a bitola de algo que, por mais que queiram, não se pode comparar. De forma simplista poderíamos dizer que não podemos comparar uma pintura com um outdoor… têm géneses distintas e objetivos e missões também bem diferentes.
Mas a verdade é que essa é a ambição da marcas… quantas já não pediram às suas agências as mais variadas análises ao fenómeno Bruno Nogueira, learnings que possamos retirar ou simplesmente inspiração que possamos beber e traduzir em algo que estejamos a criar.
A verdade é que um formato que nasce de forma orgânica e despretensiosa no timing perfeito para ser consumido, reúne um contexto particular que dificilmente se repetirá. Pelo menos com esta receita.
Como uma porta que se abre para outra dimensão e que, uma vez fechada, jamais poderá ser aberta de novo.
É isto que se sente quando se fala de ‘Como é que o bicho mexe’: algo que é fruto de um momento e que vai evoluindo de forma selvagem, mas coerente, respondendo ao que o público quer ver.
Mas mais do que o momento são os protagonistas que fazem o sucesso do formato. É no encontro da genialidade de Bruno com o talento de todos os intervenientes – escolhidos a dedo e dando resposta à versatilidade e autenticidade que as redes sociais podem hoje evidenciar – que reside o poder de tudo a que assistimos. Protagonistas sem filtros e, sem marcas ou mensagens a respeitar, permitindo a total liberdade.
A total liberdade aliada ao talento talvez seja o principal learning a retirar de tudo isto.
Independentemente de formatos, de receitas ou estratégias quando garantimos a liberdade de criação e a junção de diferentes talentos podemos ter resultados surpreendentemente maravilhosos.
Estarão as marcas preparadas para esta nova realidade? Como podem elas viver esta realidade? Há lugar para elas quando queremos esta total liberdade?
Estas são muitas das questões lançadas por este fenómeno. Um fenómeno que vai deixar saudades – e que bela companhia tínhamos ali todas as noites – mas que teve lugar numa altura muito particular da nossa história e que todos um dia recordaremos, quando revisitarmos estes tempos de covid.
‘Como é que o bicho mexe’ provavelmente voltará, com novos contornos e com a possibilidade de nos voltar a surpreender.
E como este, outros fenómenos nos tomarão de assalto, sem grande planeamento ou aviso, mas com a certeza de que quando conjugamos talento, contexto e liberdade estamos no caminho certo.
*Diretora Criativa Havas Sports & Entertainment