por Francisco Rocha Gonçalves
Vice-Presidente da Câmara Municipal de Oeiras
No dia 11 de setembro de 2001, dois aviões foram desviados por terroristas e destruíram as torres gémeas em Nova Iorque, um outro aparelho foi forçado a despenhar-se nas paredes do Pentágono, em Washington, e um quarto avião, que foi redirecionado para a capital dos Estados Unidos, acabou por cair num campo da Pensilvânia. Os acontecimentos daquele dia conduziram a mais de uma década de guerras ao terrorismo, imenso dispêndio de dólares e de foco nas estratégias das políticas externas ocidentais.
Dois meses mais tarde, no dia 11 de dezembro de 2001, discretamente, a República Popular da China aderia à Organização Mundial do Comércio, fazendo entrar no mercado laboral mundial cerca de 900 milhões de pessoas.
Duas décadas depois, podemos afirmar, com relativa certeza, que os anos seguintes tinham os países ocidentais a viver lógicas do século XX e a China a galopar em pleno século XXI.
Hoje, a ascensão fulgurante do Império do Meio preocupa académicos e diplomatas ocidentais, que discutem formas de limitar a sua expansão. Seja pela armadilha de Tucídides, seja pelo facto do ocidente ditar há meio milénio as regras do relacionamento internacional, a preocupação com o ajustamento a uma reponderação de poder no sistema internacional será central nos próximos anos.
Com isto em mente, na última semana lancei um desafio a 50 pessoas, quase todos altos quadros da administração pública, empresários e dois ex-ministros. À pergunta “qual o acontecimento que mais marcou o mundo nos últimos 20 anos?”, a maior parte das pessoas respondeu o 11 de setembro ou a pandemia do covid-19. Isto é, conhecemos o problema, mas não vemos a origem.
A verdade é que a nossa matriz eurocêntrica, ou “ocidentalcêntrica”, nos impede de ver além da espuma e dos acontecimentos que parecem próximos, talvez também porque desconhecemos verdadeiramente a China.
Mas não somos apenas nós que estamos assim. Em 1945, perante o desafio que a URSS colocava, George Kennan escreveu um longo artigo na revista “Foreign Affairs”, intitulado “As origens da conduta soviética”, no qual desenhou a estratégia norte-americana para conter o avanço soviético. Com as maiores ou menores variações que foi tendo ao longo das décadas seguintes, a “doutrina da contenção” era uma estratégia pensada e coerente para o pós-II Guerra Mundial.
Em 1945, os EUA tinham um País unido e uma estratégia para confrontar a ascensão de uma potência revisionista. Criaram um sistema de alianças sólidas que, com o seu poder norte-americano, foram a base para vencer a guerra fria.
Agora, perante uma China que está a vencer com as regras do comércio livre decorrentes do demoliberalismo ocidental, os EUA comportam-se como uma potência revisionista e fecham-se sobre si próprios, apostam em tecnologias do passado (aço ou cabos), insistem num modelo energético que está em progressiva substituição (petróleo) e depreciam o sistema de alianças construído nos últimos 65 anos.
A ascensão da China das últimas décadas vai-se fazendo sem lutar uma única batalha, como Sun Tzu disse, “a suprema arte da guerra é derrotar o inimigo sem lutar”. O futuro não está escrito, mas é preciso conhecer as lições da história e ter consciência dos desafios, e o desafio geopolítico e geoestratégico chinês traz não tem paralelo nas últimas décadas.
O ocidente não tem ainda estratégia para conter o avanço da China, nem do lado norte-americano, perdidos nas suas contradições, nem do lado europeu, que insiste em ser apenas uma manta de retalhos, arriscando-se a não ter lugar na mesa, mas a figurar no cardápio do século XXI.