Só no futuro se poderá saber se foi ou não excessiva a dose de medo que muitos Governos, com a poderosa ajuda da comunicação social, injetaram nas populações. Confesso que num dia de março, ao ouvir António Costa dizer na TV que as pessoas tinham de se meter em casa porque se tratava de «uma questão de vida ou de morte», estremeci. Não estaria o primeiro-ministro a exagerar? Não iriam as pessoas tomar-se de pânico, tornando no futuro a retoma mais difícil?
As contas só se farão no fim, não se sabe se haverá ou não uma segunda vaga, e logo se perceberá quem teve a melhor estratégia nesta pandemia: se os países que encararam o vírus de uma forma mais ligeira ou os que adotaram, como nós, uma posição mais rígida. Ainda não é possível dizer qual foi a receita certa. Até porque haverá que fazer um balanço entre as mortes provocadas diretamente pela doença e os danos económicos (e outros) causados pelo confinamento e a paragem forçada.
Começamos a perceber que parar foi fácil – mas voltar à vida normal vai ser dificílimo. Em muitas pessoas o medo entranhou-se de tal modo que não será nada fácil retomarem a curto prazo os seus hábitos.
Há uns quinze dias entrei numa pequena padaria de uma pequena cidade de província, onde havia duas empregadas vestidas a rigor: touca, viseira, bata branca, luvas de borracha. Meti conversa e disse-lhes que, pessoalmente, não tinham razões para estar assustadas, pois eram ainda muito jovens. Indignaram-se: «O senhor não diga isso! Há doze bebés internados no Hospital D. Estefânia em estado grave». Disse-lhes que os bebés teriam outros problemas, porque o vírus não tinha morto ninguém abaixo dos 40 anos. Voltaram a indignar-se: «Nem fica bem ao senhor dizer isso!». Adiantei que ali, na cidade, não havia nenhum caso de infeção. Mas uma delas retorquiu: «Há, há! E vai haver muitos mais! E mortes…!».
A conversa começava a correr mal. As raparigas reforçavam: «E eles não dizem toda a verdade. Há muitos mais mortos do que eles dizem». Enfim, vi que não valia a pena continuar a conversa, recebi o saco do pão, paguei, despedi-me e saí.
Isto, repito, passava-se numa cidade do interior do país, em que não havia casos registados; e em toda a região havia um único morto.
Mas as raparigas estavam em pânico. E cá fora observavam-se outros sinais de medo: pessoas isoladas a fazer jogging de máscara na cara – não percebendo que estavam em boa parte a inspirar o anidrido carbónico que expiravam, com danos para a saúde – e outras dentro do carro, a conduzir de janela fechada, também de máscara posta, como se o vírus entrasse através da carroçaria…
Aquela gente não pensava – estava dominada pelo terror.
Mas se isto se passava com jovens, imagine-se qual seria o estado de espírito de muitos velhotes com 70 ou 80 anos. Possivelmente nunca mais retomarão os seus hábitos.
Acontece que, num país muito envelhecido como o nosso, o consumo feito pelos velhos (detesto a palavra ‘idosos’) representava uma fatia importantíssima. Nas pastelarias e cafés, nos restaurantes, nas tabacarias, nos quiosques, nos supermercados, nas lojas de roupa, nos transportes públicos, nas salas de cinema, nas estações de serviço a meter gasolina nos carros, nos aeroportos, nos navios de cruzeiro, a percentagem de pessoas de idade antes desta pandemia era muito elevada.
E vai cair a pique. Com o medo que se instalou, vai ser muito difícil pôr estas pessoas a fazer o que faziam e a gastar o que gastavam.
O medo instalou-se e não vai desaparecer tão cedo. Àqueles que dizem que os portugueses mostraram muito civismo, respeitando o confinamento e as outras medidas, eu respondo que não é verdade. As pessoas não se meteram em casa por civismo – meteram-se em casa por medo. Porque tiveram medo da doença. Porque as notícias catastrofistas e os avisos das autoridades as assustaram.
E agora vai ser muito difícil tirá-las de casa. Podem sair para dar uma volta, para desentorpecer as pernas, para apanhar um pouco de ar (embora de máscara na cara…). Mas não para retomar a vida normal, entrar numa loja, ir ao café e de caminho comprar o jornal, comer no restaurante, fazer compras no supermercado, apanhar um transporte público para ir aqui ou ali, ir ao cinema, visitar um museu, passar um fim de semana no Algarve ou na serra, viajar de férias ao estrangeiro.
Possivelmente, muitas pessoas de idade não voltarão a fazer nada disto. E entretanto muitos estabelecimentos e empresas que elas em boa parte sustentavam vão ter de fechar as portas.