por Francisco Rocha Gonçalves
Vice-Presidente da Câmara Municipal de Oeiras
O discurso politicamente correto da última década e meia em Portugal tem assentado em três pilares distintos, que por vezes também surgem integrados como numa grelha de enquadramento do desenvolvimento futuro, que são o mar, o interior e a sustentabilidade ambiental. A estes, junta-se a identificação de um demónio, ou de uma realidade que é sempre apontada como um passado que urge resolver, que é a cidade, particularmente Lisboa, que sintetiza, neste quadro mental, todas as zonas urbanas portuguesas.
Estes pilares quase se tornaram uma pontuação no discurso político e social, como acontece com a expressão das reformas estruturais, sempre atiradas para o espaço público, mas nunca concretizadas, porque acabamos por desconhecer as ideias que as motivam, em que é que se traduzem.
É verdade que, na dimensão da sustentabilidade ambiental, Portugal tem feito caminho, muito empurrado por Bruxelas e pela disponibilidade de fundos comunitários, mas também por iniciativa própria, como é o caso do investimento nas energias renováveis.
Nos outros dois pilares, o que temos hoje é o reflexo da incapacidade estratégica de sucessivos governos, que transformou em chavões vazios o que deviam ser desígnios estratégicos. As palavras, mesmo quando repetidas à exaustão, não se traduzem numa aderência à realidade, que é o que acontece aqui.
Queremos ver aprovada a extensão da plataforma continental, que fará com que Portugal se torne o país com o maior território marítimo europeu, mas não temos qualquer estratégia para explorar o subsolo marítimo desta imensa área. Aliás, não temos sabido, sequer, gerir nem retirar proveito da zona económica exclusiva portuguesa, a terceira maior da União Europeia e a 11ª do mundo.
Assim, Portugal ser um país com 97% de mar é apenas um slogan inconsequente, nada mais.
Falamos também, sucessivamente, dos custos da interioridade, da necessidade de reforçar a coesão territorial, mas o que vemos é o Estado a retirar serviços de proximidade, que são um atrativo à fixação de populações e das empresas, e, além do chavão, não se vislumbra uma ideia clara de ordenamento ou de desenvolvimento integrado do território.
Como subproduto, surpreendemo-nos, todos os verões, quando o país arde.
Mas temos o mal urbano a combater, como se a cidade encerrasse em si todos os malefícios que identificamos na comunidade.
O facto é que a maioria da população mundial vive hoje em cidades, em zonas urbanas alargadas, como acontece também em Portugal. É neste quadro que procuram habitação, que têm a perspetiva de desenvolver a sua atividade profissional e é aqui que querem ter oferta para usufruir dos períodos de lazer. É para estas pessoas, nestes locais concretos, que temos de encontrar soluções concretas para que possam subsistir, exercer a sua cidadania e ambicionar melhorar, a cada dia, a sua qualidade de vida.
Os problemas encontram-se, por exemplo, na forma como as pessoas se deslocam entre concelhos, como podem atravessar o Tejo, como é possível tornar comunidades tão próximas mais coesas, para que todos possamos viver melhor. Se não o fizermos, vamos continuar a forçar que as cidades tenham zonas aráveis e a insistir que os projetos de investimentos em novas tecnologias irão para o interior, sem acessos, serviços ou mão de obra.
A cidade é hoje o elemento mais importante na criação de riqueza, pelo espaço de troca, partilha e escala, e é também o catalisador de criatividade, que é, juntamente com o conhecimento, o combustível da nova economia.
O interior tem outras valências, outras capacidades que podem ser reinventadas, para reforçar as suas comunidades e, mais uma vez, criar condições para que os cidadãos possam desenvolver as suas atividades e ambicionar ter uma vida melhor.
Não podemos é teimar em olhar a realidade não como ela é, mas como gostaríamos que ela fosse, sem nos preocuparmos, sequer, em alterá-la.
Os próximos anos do País surgem como um momento essencial para alterar a realidade que nos empurra para a pobreza e para a periferia do desenvolvimento. Somos extraordinários em unirmo-nos perante crises emergentes, mas pouco mais do que medíocres a gerir a normalidade e em definir políticas de desenvolvimento estratégicas, que reconheçam oportunidades e as transformem em riqueza e bem-estar para todos.