Em tempos sombrios de pandemia, como estes que vivemos, todos precisamos de encontrar a luz.
A luz da razão. A luz da esperança. A luz da genialidade. Enfim, a luz da cultura.
Pois bem, a luz da cultura – e a cultura da Luz – pode ser encontrada no filme “ A Luz de Judá” já disponível no “Vimeo” (Video on Demand). Enquanto debelamos (ainda) a pandemia e seus efeitos económicos, e gozamos de um fim de semana alargado, nada melhor do que assistir a esta película que nos remete para a jornada épica, conquanto dolorosa; gloriosa, conquanto, para si, e por culpa de nossos erros históricos, injuriosa – dos nossos irmãos judeus portugueses.
O filme é uma (muito e mais uma) meritória iniciativa da Comunidade Israelita de Lisboa e da B’nai B’rith International. A cooperação entre estas duas entidades que tanto têm feito pelo progresso espiritual, económico, social e cultural e pelo “direito à memória” das gentes do Porto, de Portugal e por todo o mundo só poderia redundar num filme imperdível.
Foi o caso: o filme “ A Luz de Judá” – com argumento do Centro de Investigação Histórica da Cidade do Porto e notável realização de Luís Ismael (o realizador célebre pela saga portuguesa que encantou – ou, pelo menos, não deixou indiferente – toda uma geração, por razões menos espirituais “Balas e Bolinhos”) – é imperdível.
Imperdível por razões intrínsecas e razões extrínsecas.
Imperdível por razões intrínsecas: a produção do filme é verdadeiramente excecional. Note-se que não estamos falando de uma produção de Hollywood, da “Netflix” nem de uma produção cinematográfica que envolve os milhões mesmo de uma produção portuguesa de uma estação de televisão nacional: no entanto, o orçamento inferior não belisca os predicados cinematográficos e a qualidade – de narrativa, de performance dramática e estéticos – do filme.
Bem pelo contrário: a fotografia do filme não deixa de ser impressionante. Outros detalhes, nunca menores, como o guarda-roupa, a reconstituição dos cenários das épocas retratadas, a criação da imagética histórico-temporal em que os heróis coletivos judeus e não-judeus que se insurgiram já então contra as arbitrariedades e abusos de um poder político destituído de moralidade – são igualmente impressionantes.
Tornam o filme cinematograficamente mais apelativo; e fazem do passado o presente do espectador.
Tornam, enfim, um filme que é uma premente lição de história e uma urgente iniciativa de pedagogia cívica – numa experiência de entretenimento que é fascinante.
Claro que nada substitui o encanto do ecrã gigante e o silêncio que nunca se cala das salas (mágicas!) de cinema: no entanto, a opção de disponibilização do “A Luz de Judá” na plataforma do “Vimeo” mostra que não há vírus que pare a cultura, que pare o imperativo de memória, que pare o bom cinema, que é também cinema bom.
Muito bom – que ensina, sem ser professoral.
Que divulga, sem ser paternalista.
Que apela aos valores matriciais de qualquer sociedade livre, democrática e tolerante, que não pode dispensar (nunca!) a tolerância e a diversidade religiosas, sem ser prosélito.
Proselitismo significa, aliás, persuadir as pessoas, os nossos irmãos e compatriotas, que existe uma Luz e que a devem acolher e seguir em suas vidas; ora, o filme ora analisado pretende apenas tornar a Luz – que é intemporalmente histórica, desafiando limites temporais – mais visível para que todos a possamos avistar com mais clareza.
Não pretende exaltar, nem levar a que cada espectador interprete e descubra a sua própria luz – pretende, apenas, colocar a luz em sítio bem visível, utilizando o candeeiro único da Cultura e do Cinema.
Porque esta luz pertence, afinal, a todos nós: judeus, católicos, cristãos evangélicos, muçulmanos, numa palavra: a todos nós, portugueses.
Luís Ismael e o magnífico elenco de atores portugueses conseguem a proeza de dar luz à nossa…Luz. À nossa “Luz de Judá”.
O filma “A Luz de Judá” vale igualmente por razões extrínsecas: os factos histórico-políticos que aqui são retratados devem ser – sempre!-recordados à exaustão.
Não pode haver – nunca! – cansaço de justiça e… da Justiça. Da Justiça histórica que é feita no presente.
Da Justiça histórica que visa eliminar preventivamente injustiças futuras.
O filme começa brilhantemente mostrando a convivência entre judeus e cristão, na cidade do Porto, contra a discriminação arbitrária e monstruosa decretada pelo poder político central. O poder político central optou pela injustiça e pela barbárie; o povo português – e do Porto, em particular – optou pela justiça e pela tolerância digna e pela dignidade tolerante.
O Porto mostrou-nos, já no final do século XV, que o povo sabe sempre mais do que o poder político.
E que o poder político consegue sempre, se deixado livre e à sua mercê, fazer injusto o justo povo.
Fazer bárbaro o espiritualmente iluminado povo.
A cena em que o Regedor do Porto limita o poder político central – neste caso, o poder eclesiástico, indistinto então do poder temporal – de proceder a detenções e deportações de mais “cristãos-novos” não suficientemente “cristãos” segundo critérios definidos pelo poder político é bem eloquente do que escrevemos acima. Temia então o Regedor do Porto que a cidade se desvitalizasse, perdesse o seu fulgor e o seu brilho com a saída de tão nobres e leais gentes.
E este não era sentimento, ou percepção, apenas da elite: no filme, poderemos também ver um pobre “plebeu” (como então se dizia) a questionar a autoridade eclesiástica sobre a indecência e injustiça de prender os irmãos judeus.
É uma lição para todos nós – e a nós todos deve inspirar nos dias que correm: sempre que o poder político tenta imitar Deus dá um péssimo resultado.
Assim foi com a Inquisição, no tão longínquo e ainda tão presente século XVI.
Assim foi com o nazismo, na primeira metade do século XX – não tão longínquo, mas também tão presente ainda hoje.
Assim é, hoje mesmo, com as tentações da esquerda (dita) progressista.
O filme “A Luz de Judá” mostra-nos, de forma brilhante, ainda que quatro séculos volvidos sobre o terror da Inquisição, a Comunidade Israelita do Porto e a Diocese do Porto estão juntas, trabalhando lado a lado, em espírito fraterno, resolvendo os problemas da sua comunidade.
Judeus, católicos cristãos, cristãos não católicos, todos, independentemente do credo, reconhecemos a injustiça bárbara que foi o Édito de D.Manuel, que determinou a expulsão dos nossos irmãos judeus do território português – da sua, nossa, Pátria.
Em 2013, o Parlamento português, retificou –dentro das humanas e constitucionais possibilidades – este erro: no entanto, a Deputada Constança Urbano de Sousa acha que a injustiça deve ser perpetuada.
O filme “A Luz de Judá” deve ser visto, revisto e visto de novo, rapidamente, por esta Deputada socialista. Talvez aprenda – e se não aprender, a culpa certamente não será do filme; será mesmo da má-fé e teimosia irrazoável da espectadora.
Até porque o filme é dedicado a um judeu português, cujo processo de naturalização se encontrava pendente quando o avião em que seguia se despenhou na Etiópia, no dia 10 de Março de 2019 (tentando a sua irmã, sem sucesso, que Shimon Biton obtivesse a nacionalidade portuguesa post mortem: ora, será que a Deputada Constança também acha que a família de Shimon queria a nacionalidade portuguesa para fazer negócios ou para circular na União Europeia…post-mortem?).
A “Luz de Judá” iluminará, estamos confiantes, a Deputada Constança Urbano de Sousa. Não esquecer, Senhora Deputada Constança, é ver o filme disponível no “Vimeo”, apenas por 7,99 €.
Cara Deputada Constança Urbano de Sousa: se não quiser pagar, se a sua forretice for tão grande quanto a sua teimosia irresponsável, nós próprios oferecemos-lhe o aluguer: até porque estaremos a contribuir para juntos ultrapassarmos as dificuldades económicas colocadas pela pandemia.
De facto, as receitas do filme reverterão para instituições que combatem a pobreza neste momento delicado como o Banco Alimentar contra a Fome, o Centro Social da Sé, o Centro Social e Paroquial de N.ª Senhora da Conceição e a Benéfica Associação Mutualista.
Não perder: neste Dia de Portugal, há que refletir sobre os nossos gloriosos feitos e sobre as nossas injuriosas injustiças e erros. Uma delas foi certamente a expulsão dos nossos irmãos judeus. Já imaginaram o país – mais justo e mais próspero – que poderíamos ter sido?
Se já não podemos mudar o passado, ao menos, não prejudiquemos o futuro. Que a deputada Constança Urbano de Sousa veja a “Luz de Judá”. Que a deputada Constança veja a Luz da Justiça e da boa temperança.