Herança ou racismo? O debate aquece um pouco por todo o mundo

Dos Estados Unidos, à Bélgica e ao Reino Unido, estátuas são derrubadas por manifestantes ou retiradas pelas autoridades. 

Abalados pelos gigantescos protestos contra o racismo sistémico e a brutalidade policial, após o homicídio de George Floyd, os Estados Unidos debatem a sua história, tanto o legado da escravatura como do genocídio dos povos indígenas. Há anos que a questão está em cima da mesa, mas agora aqueceu ainda mais: por todo o país, são questionadas as homenagens a generais confederados, que lutaram para manter os seus escravos, bem como a Cristóvão Colombo: muitos lembram-no como descobridor das Américas, outros como pioneiro dos massacres de índios. Já na Antuérpia, por contágio, as autoridades removeram uma estátua do Rei Leopoldo II, responsável por brutais atrocidades coloniais no Congo, enquanto em Bristol manifestantes derrubavam a estátua de um dos grandes responsáveis pelo tráfico transatlântico de escravos, Edward Colston. Entretanto, dias depois, as autoridades de Dorset retirarem a estátua do fundador dos escoteiros, Robert Baden-Powell.

“Apesar de afamado pela criação dos escoteiros, também reconhecemos que há alguns aspetos da vida de Robert Baden-Powell que são considerados menos merecedores de comemoração”, disse em comunicado Vikki Slade, líder do conselho municipal de Bournemouth, Christchurch and Poole. Talvez fosse um eufemismo: É que Baden-Powell “era um apoiante muito aberto de Hitler e do fascismo, muito vocal e fortemente racista”, lembrou Corrie Drew, antiga candidata a deputada dos trabalhistas na região. “Podemos comemorar o trabalho positivo sem comemorar o homem”, considerou Drew, lembrando que a estátua apenas foi instalada em 2008. “Não é parte da história em si mesma”.

O conselho municipal não era da mesma opinião, mas acabaria por retirar a estátua, com apoio dos grupos de escoteiros de Dorset, temendo ataques de manifestantes. “Não quero ver a estátua a ser removida. Contudo, tivemos o conselho da polícia de que esta estátua está na lista de alvos para ataques”, escreveu Slade no Facebook. 

 

Homenagens a inimigos Já nos EUA, as próprias forças armadas mostram-se dispostas a mudar o nome de dez bases militares no sul, nomeadas em honra de generais confederados. Uma homenagem surpreendente a combatentes inimigos, “alguns dos quais famosamente incapazes”, descreve o Washington Post. A surpresa é menor quando pensamos no período em que as bases foram nomeadas, durante a segregação, muito depois da guerra civil.

Talvez o caso mais notório seja Fort Bragg, na Carolina do Norte, quartel-general das forças especiais, nomeado em nome de Braxton Bragg, recordado como o mais incompetente da Confederação; ou Fort Benning, na Georgia, homenagem a Henry Benning, que num discurso, em 1861 justificou a sua traição aos EUA pelo receio de que o fim da escravatura levasse “a governadores negros, legislaturas negras, juízes negros, tudo negro”. Rematando: “É suposto que a raça branca aceite em isso?”.

Contudo, é improvável que o nome destas bases mude num futuro próximo, dada a recusade Donald Trump em sequer considerá-lo. “Estas bases monumentais e muito poderosas tornaram-se uma parte da grande herança americana, e de uma história de ganhar, vitória e liberdade”,disse o Presidente norte-americano, no Twitter.

Entretanto, enquanto as autoridades locais debatem a retirada de estátuas consideradas racistas por todo o país, manifestantes não quiseram ficar à espera: derrubaram a estátua do Presidente confederado Jefferson Davis, na Virgínia, e vandalizaram estátuas de Cristóvão Colombo, em Boston, Miami, Richmond e Houston. “Colombo representa genocídio”, grafitaram na estátua de Richmond, à semelhança do que há muito defendem movimentos indígenas norte-americanos.