As Obras Públicas e o silêncio

Será desta que Costa nos vai dar a lista dos mais de 400 edifícios públicos em estado de degradação considerado ‘muito grave’?

O Programa de Estabilização Económica e Social do Governo é claro sobre a estratégia para os mais de 500 milhões que, nos próximos meses, se irão gastar em obras públicas. «Proceder-se-á ao lançamento de um vasto conjunto de pequenas obras, de execução célere e disseminada pelo território» associado à «agilização dos procedimentos de contratação pública» . Em síntese, serão 500 milhões para muitas obras pequenas, rápidas, e sujeitas a menos escrutínio.

A proposta justa seria o oposto, obras sujeitas a um rigoroso escrutínio, focadas nas necessidades prementes e na ferrovia. No entanto, entende-se a urgência de António Costa que, ao longo de vários anos, prometeu muitas destas obras sem que tenham sido executadas.

Na área da habitação, é preciso paciência para ler neste Programa «é necessária a identificação de imóveis públicos disponíveis». Teremos de relembrar o primeiro-ministro que já lançou não um, mas dois programas com o mesmíssimo propósito? Já existe o ‘Fundo de Reabilitação Nacional do Edificado’, lançado em 2016, e o ‘Programa 1.º Direito’, lançado em 2018. Foram ambos amplamente difundidos com pompa e propaganda, supostamente apoiados por dezenas de milhões constantes em sucessivos Orçamentos de Estado. O resultado no terreno até hoje é, objetivamente, zero fogos acrescentados ao parque habitacional público.
 
No caso do amianto, lembrar-se-á António Costa de ter dito, em 2016, na Assembleia República, que já não haveria escolas com amianto em estado considerado grave para a saúde em 2018? Será desta que nos vai dar a lista que identifica os mais de 400 edifícios públicos em estado de degradação considerado «muito grave» para a saúde pública dos utentes, tal como a lei obriga?

No entanto, ainda há coisas que conseguem surpreender, como os 140 milhões para «Pequenas obras pelo Grupo Águas de Portugal». O que serão estas pequenas obras nas águas que chegam a 140 milhões? Irão ser adjudicadas por programas preliminares sem projetos de execução, em concursos de conceção-construção, modelo de contratação pública que este Programa pretende ‘agilizar’?
 
A adjudicação de obras públicas por conceção-construção é feita sem projeto, com base num programa, cabendo ao empreiteiro a definição tanto do projeto como das medições e especificações técnicas. É uma encomenda vaga onde se torna mais difícil comparar a relação qualidade/preço das propostas, o que facilita o conluio e promove a corrupção. É ainda um procedimento que exige a quem encomenda um forte perfil técnico e muita experiência de obra para não comprar ‘gato por lebre’. 

Sendo este um modo de encomenda vago e de mais difícil escrutínio, será o mais adequado num país onde o anterior primeiro-ministro socialista, José Sócrates, confirmou (em Entrevista a Vítor Gonçalves, RTP, minuto 16:25) que recebia empréstimos de milhares de euros em ‘dinheiro vivo’ de um ‘bom amigo’, a quem, por acaso, tinham sido adjudicadas obras públicas no seu mandato passado? Será prudente abrandar o escrutínio quando muitos dos ministros do atual Governo, incluindo António Costa, foram ministros do Governo de Sócrates e, na altura, não viram nada, não fizeram nada, não perceberam nada? 

Não sei se o país aguenta mais um programa de obras públicas nestes moldes, mas tenho esperanças nos técnicos que estão no terreno, sejam de que partido forem. No que passar pelas vossas mãos, sejam rigorosos no escrutínio e não permitam que se instale o silêncio.