O ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas da Região Administrativa Especial de Macau, Ao Man Long, já formalizou o pedido para concluir em Portugal o resto da pena de 29 anos de prisão que está a cumprir em Macau – condenado pela prática de crimes de branqueamento de capitais, corrupção, riqueza injustificada e abuso de poder. Agora, o governo de Macau já tem conhecimento de que o ex-secretário pretende mesmo ser transferido para solo português.
«Acusámos a receção do ofício em relação à questão em epígrafe [pedido de transferência do cidadão Ao Man Long], remetido pela autoridade portuguesa, o assunto encontra-se de momento nos seus trâmites», confirmou o gabinete do secretário para a Administração e Justiça, André Cheong, segundo o jornal Hoje Macau.
E o que é necessário ser feito para a transferência ser efetuada? Uma vez que o pedido já foi formalizado, o Governo da Região Administrativa Especial de Macau precisa então de decidir se o ex-secretário pode ou não seguir para Portugal, já que o pedido feito por Ao Man Long pode ser recusado – a decisão tem de ser também autorizada por Pequim, que tem uma palavra a dizer.
Se o caso se mantiver em Macau, Ao Man Long não terá hipótese de recorrer, mas, se for autorizado, acaba por ser também avaliado pela ministra da Justiça portuguesa, Francisca Van Dunem. No caso de haver acordo de todas as partes envolvidas, será então permitida a transferência do ex-secretário para Portugal. Mas o principal problema de Ao Man Long poderá ser convencer as autoridades chinesas a aceitar a transferência, já que este caso foi muito mediatizado.
A detenção de Ao Man Long
O julgamento de Ao Man Long, condenado a 30 de janeiro de 2008 por 57 crimes, foi muito divulgado nos meios de comunicação social, não só por se tratar de um ex-governante como também por causa da lei chinesa, que não lhe reconheceu dupla nacionalidade, apesar de o ex-secretário possuir nacionalidade portuguesa e também o respetivo passaporte – o seu nome está presente nos cadernos eleitorais portugueses.
O caso tornou-se público em dezembro de 2006, mais concretamente no dia 5: o ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas foi detido em casa por ser suspeito de branqueamento de capitais e corrupção passiva durante obra públicas e privadas realizadas entre quatro anos – 2002 e 2006. Ao mesmo tempo decorriam outros processos relacionados, com vários julgamentos em Hong Kong.
Um dos principais problemas para Ao Man Long foi, talvez, o facto de não ter direito a recurso por ter exercido funções em cargo político. Entretanto, a lei de bases da organização judicial foi revista e atualmente já poderia recorrer para o Tribunal de Última Instância.
«Este processo foi marcante, porque, pela primeira vez, estava em causa um alto dirigente político e estavam em causa também situações jurídicas extraordinariamente importantes relativamente às garantias e ao funcionamento do próprio sistema», admitiu ao Hoje Macau João Miguel Barros, advogado e defensor do empresário Pedro Chiang, que foi condenado num caso conexo.
Além disso, o trabalho feito pelo Comissariado contra a Corrupção (CCAC), que deu início às investigações, foi também muito criticado, devido a alegadas «violações de garantias processuais». De acordo com João Miguel Barros, as buscas em casa do ex-secretário não foram feitas observando a lei e o código penal. «A validade das buscas afetaria claramente o resultado final do processo», começou por dizer. «O CCAC tinha Ao Man Long detido nas suas instalações e foi buscar a chave da vivenda onde vivia, que estava armazenada no governo, abriram a porta e fizeram as apreensões que quiseram. Isto é motivo de todas as suspeitas», revelou o advogado, que também falou do segredo de justiça que diz ter sido violado em conferências de imprensa, porque se identificaram as fontes. «Fiz uma queixa sobre isso que foi colocada olimpicamente numa prateleira durante algum tempo e depois foi arquivada», contou João Miguel Barros.
Mas o que é certo é que o Governo de Macau já tem conhecimento de que o ex-secretário quer ser transferido para Portugal. Contactado pelo SOL, o advogado de Ao Man Long, Álvaro Rodrigues, não quis prestar quaisquer declarações sobre o caso.
Já o Ministério da Justiça adiantou ao SOL que a República Portuguesa e a Região Administrativa Especial de Macau «se encontram vinculadas pelo Acordo Sobre Transferência de Pessoas Condenadas, concluído em Lisboa, no dia 7 de dezembro de 1999, aprovado para assinatura pela Resolução da Assembleia da República n.º 80-B/99, de 16 de dezembro, e que regula, como decorre da sua denominação, as condições que devem ser observadas para que o pedido de transferência de pessoas condenadas seja considerado admissível».
O SOL tentou contactar também a Procuradoria-Geral da República, mas até ao fecho desta edição não obteve resposta.
Outros casos
Cerca de dez anos depois, um segundo caso de corrupção veio à tona. Ho Chio Meng, então procurador do MP do Governo da Região Administrativa Especial de Macau, foi preso preventivamente por suspeitas de corrupção na adjudicação de obras e serviços, em fevereiro de 2016. Respondeu por 1500 crimes e, em julho de 2017, acabou por ser condenado a 21 anos de prisão efetiva.
«Temos o mais alto responsável por todas as investigações criminais acusado de centenas ou milhares de crimes de corrupção, sem que nunca se tivesse aberto um inquérito alargado aos processos-crime que decorreram sob a sua alçada. Ninguém de bom senso acreditaria que o motivo daquela galopada processual assentou em camas de massagens e obras na procuradoria», adiantou ao Hoje Macau o advogado Jorge Menezes, da defesa de Sulu Sou – que, em setembro de 2017, viu o seu mandato na Assembleia Legislativa (AL) ser suspenso temporariamente pelos colegas do hemiciclo, sendo posteriormente levado a julgamento por crime de desobediência qualificada. Depois, foi obrigado a pagar uma multa de 120 dias.
Sulu Sou ainda apresentou recurso ao Tribunal de Segunda Instância (TSI), mas foi recusado por estar em causa um processo político. «O processo judicial em si foi outra deceção. O TSI errou ao não compreender que a violação da lei é matéria do domínio judicial, pois ninguém está acima da lei: nem o fazedor da lei a pode violar», atirou o advogado.