As seguradoras da Associação Mutualista Montepio (ANMM) já levaram a entidade a perder cerca de 200 milhões de euros desde 2012, altura em que o negócio era gerido por Virgílio Lima, atual presidente da Mutualista.
Este negócio está agregado na Montepio Seguros e controla a 100% a Lusitania Vida e a Lusitania Não Vida, a Futuro – Sociedade Gestora de Fundos de Pensões e detém ainda 21,87% da Moçambique Companhia de Seguros.
Só no passado, a associação foi ‘obrigada’ a injetar mais de 30 milhões para tapar o buraco da margem de solvência da Lusitania. «Durante o exercício de 2019, o Montepio Geral Associação Mutualista reforçou as prestações acessórias de capital no Montepio Seguros, SGPS, SA no valor de 30 milhões de euros para reforço da margem de solvência desta entidade», lê-se no relatório de contas da Associação Mutualista do ano passado. Um documento que será analisado e votado na próxima reunião de Assembleia-Geral de associados convocada para dia 30 de junho, altura em que vão ser aprovadas as contas da entidade e que apontam para perdas de 409 milhões de euros. Uma perda face aos lucros de 1,8 milhões de euros registados no ano anterior.
No relatório de contas divulgado esta semana, a Mutualista atribui os prejuízos a «fatores não recorrentes, de grande materialidade, [que] penalizaram fortemente os resultados do exercício de 2019». Esses fatores extraordinários são, segundo o documento, a constituição de imparidades para o banco Montepio (no valor de 377,5 milhões de euros) e para a Montepio Seguros (14,8 milhões de euros) e ainda o reforço das provisões matemáticas de 34,7 milhões de euros devido à redução das taxas de juro. Caso contrário, de acordo com o presidente da associação, «o resultado do exercício de 2019 seria positivo, num montante de 9,3 milhões de euros», destacando o aumento das receitas associativas (em quotizações e capitais aplicados nas modalidades mutualistas subido) 36,5% para 665 milhões de euros.
Calcanhar de Aquiles
A Montepio Seguros foi constituída em 2013, numa ‘operação de cosmética’ destinada a reavaliar estas empresas. Nesse ano, e segundo as contas publicadas, a AMM registou uma mais-valia de 36,8 milhões de euros mas que foram ‘maquilhadas’ pela constituição de uma holding que, por sua vez, comprou as participações detidas pela associação por um valor muito superior ao que tinha sido registado individualmente, apurou o SOL. No exercício de 2013, o resultado líquido da Associação Mutualista foi de 70,2 milhões de euros.
Nas contas da Montepio Seguros, já em 2013, a Lusitania registava prestações acessórias de capital de 43,75 milhões de euros. Resultados que obrigaram a levar a cabo injeções de capital que a Mutualista foi acumulando na seguradora com vista a equilibrar a sua posição de solvabilidade face às sucessivas perdas.
No ano seguinte, a seguradora apresentou perdas de 15 milhões. Em 2015 agravaram-se para 43,2 milhões de euros. E os prejuízos foram-se acumulando ao longo dos anos: 8,4 milhões (em 2018), 16,3 milhões (em 2017) e 6,3 milhões (em 2018). Feitas as contas, no final de 2018, acumulava um resultado transitado de menos 112,7 milhões de euros.
Virgílio Lima foi administrador da Lusitania desde 2008, constituindo equipa com Tomás Correia, na altura presidente da companhia de seguros, cargo que acumulava com a de presidente do Montepio. Em 2012, altura em que a seguradora começou a apresentar perdas, saiu o histórico e fundador administrador-delegado da companhia, José Arez Romão. Nesse ano, entra Fernando Nogueira, que passou a exercer funções de CEO, mas com o atual presidente da Mutualista a conduzir os destinos financeiros, uma vez que era o administrador com esses pelouros (CFO). Lima manteve-se como administrador da Lusitania até final de 2015, passando desde então a administrador da AMM na lista de Tomás Correia. Mas, mesmo enquanto administrador da Mutualista, foi acompanhando o negócio das seguradoras, já que lhe tinha sido atribuído esse pelouro.
O portefólio de participações da Montepio Seguros conta ainda a N Seguros, companhia de seguros online adquirida em 2009, em que Virgílio Lima foi presidente até 2015. Esta empresa nunca apresentou resultados positivos e, em dezembro de 2019, a seguradora passou a ser definitivamente integrada na Lusitania, por exigência do regulador. A explicação foi simples: não cumpria com as regras de solvência. A única seguradora que se apresentava sem imparidades era a Lusitania Vida, com um valor de 81,5 milhões registados nas contas da holding.
Recorde-se que, em 2017, a Mutualista ainda tentou vender 60% deste negócio ao grupo chinês CEFC. No entanto, a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) considerou «não instruída» a entrada do grupo no capital do Montepio Seguros.
Contraciclo
Também detido pela Associação Mutualista está o Banco Montepio que apresentou lucros de 5,4 milhões de euros nos primeiros três meses do ano, ainda assim, uma redução face aos 6,5 milhões de euros registados em igual período do ano passado. Durante este período foi constituída uma imparidade de 15,5 milhões de euros relacionada com o impacto adverso perspetivado devido à pandemia de covid-19.
O produto bancário da instituição financeira liderada por Pedro Leitão aumentou 11,6% para 107,8 milhões de euros, enquanto o produto bancário core progrediu 3,1% para 93,2 milhões.
A margem financeira ascendeu a 59,5 milhões nos primeiros três meses, que se comparam com os 61,1 milhões contabilizados no período homólogo, «evidenciando os impactos desfavoráveis de as taxas de juro de mercado se situarem em níveis muito baixos e das emissões de dívida subordinada efetuadas nos finais de 2018 e do 1.º trimestre de 2019», disse o banco.
As comissões líquidas aumentaram 6,4%, passando de 28,3 milhões de euros no primeiro trimestre de 2019 para 30,1 milhões nos primeiros três meses deste ano, «beneficiando da subida dos proveitos com comissões relacionadas com mercados e com serviços de pagamento, a par da redução dos custos suportados com comissões».
Já os resultados em operações financeiras totalizaram 15,9 milhões de euros no primeiro trimestre de 2020, que se comparam favoravelmente com o valor negativo de 1,3 milhões contabilizado no período homólogo, traduzindo «o impacto da realização de ganhos na alienação de obrigações de dívida pública e privada efetivada nos primeiros três meses de 2020».
O crédito a clientes líquido totalizou 11.597 milhões de euros, um crescimento de 132 milhões face ao final de 2019, «invertendo a tendência de descida observada em trimestres anteriores». Nos primeiros três meses de 2020, o crédito concedido às empresas aumentou 308 milhões de euros, consubstanciando a ambição definida no plano de transformação. Já os depósitos de clientes ascenderam a 12.300 milhões de euros, uma redução face aos 12.462 milhões registados no final do primeiro trimestre de 2019, «e evidenciam a diminuição registada por alguns clientes institucionais, por um lado, e o aumento observado nos segmentos de particulares e das PME, por outro, em linha com o definido no plano de transformação».
Os custos operacionais fixaram-se em 64,3 milhões de euros, o que, no entender do banco, traduziu «o impacto da atualização salarial e os investimentos efetuados em renovação e modernização tecnológica no âmbito da transformação digital».
A imparidade do crédito contabilizada atingiu 30,4 milhões de euros, um aumento face ao valor de 18,5 milhões registado em igual período do ano passado, «para o que contribuiu a constituição de uma imparidade de 15,5 milhões relacionada com o impacto adverso perspetivado com a pandemia».