Aqui ao lado, em Espanha, mais de três meses depois, acabou o estado de emergência, no domingo, após o país ter sido um dos mais afetados pela pandemia de coronavírus. A maioria das restrições internas desapareceram, bem como boa parte das externas: começaram a chegar turistas sem precisar de 14 dias de quarentena, de vindos de todo o espaço Schengen – à excepção de Portugal, que fica de fora até 1 de julho. Há receios que a pressa em reabrir o setor turístico, que representa mais de 12% do PIB espanhol, possa causar ressurgimento de focos de contágio, agora que a contenção do vírus passou sobretudo para as mãos do poder regional e dos cidadãos – mantém-se diretrizes como lavar as mãos, distância de segurança, uso de máscara e pouco mais.
“O nosso temor é que se dissipe o medo. É tanta a necessidade de recuperar a situação económica que tememos que nos faça esquecer que o perigo existe”, salientou Julio Pérez, conselheiro de Saúde Pública das Canárias, ao El País. Estas ilhas, onde o turismo compõe cerca de 35% do PIB, escaparam ao pior da pandemia, muito devido ao seu isolamento geográfico. Agora, o Governo regional pede testes massivos a todos os visitantes, mas o ministério da Saúde “não está muito inclinado” a tal, avisou, Fernando Simón, diretor de Coordenação de Alertas e Emergências de Saúde.
“Ponha-se na situação de avaliar um avião com 300, 400 passageiros, a quem se propõe fazer um teste, quando está a chegar uma avião atrás de outro, e se tem de dar resultados em tempo razoável, porque não podem estar espalhados por aí”, exemplificou Simón, citado pela Efe, lembrando que um teste negativo não significa que o indivíduo não esteja infetado, podendo dar uma “falsa segurança”.
Em vez disso, os aeroportos espanhóis optarão por medir a temperatura dos passageiros e tentar verificar a existência de sintomas de covid-19 – correndo o risco de deixar passar infetados assintomáticos. Mesmo isso parece estar a funcionar mal: no domingo, vários viajantes que passaram pelo aeroporto de Barajas, na capital, contaram à Efe que os voos estavam cheios, não havia distância social e que nem sequer lhes verificaram a temperatura.
Nas ilhas Por agora, a solução canária é seguir o modelo das ilhas gregas, onde espanhóis, italianos e holandeses são submetidos a rastreios aleatórios – com a diferença que nas Canárias o critério será a situação da região de origem e não do país. As festas populares foram suspensas, os estabelecimentos não podem exceder os 75% de capacidade e nas praias tem de haver quatro m2 de areia por pessoa.
Já as ilhas Baleares optaram por criar um corredor turístico com a Alemanha, que na altura tinha um índice de transmissão de covid-19 baixo, muito próximo do arquipélago. Contudo, desde a semana passada, após chegarem alguns dos 10 mil viajantes autorizados, a taxa de taxa de transmissão alemã mais que duplicou, para 1.79, segundo o relatório deste sábado do instituto Robert Koch.
A subida “está maioritariamente relacionada com surtos locais”, salientou o instituto. Como o caso de uma fábrica de processamento de carne em Guetersloh, na Renânia do Norte-Vestfália, onde mais de mil trabalhadores deram positivo ao vírus. “Como o número de casos na Alemanha é baixo no geral, estes surtos têm uma influência relativamente forte no valor do número de reprodução”, lê-se no relatório. “Não é antecipado aumento nacional no número de casos”.
Entre a natureza Em Espanha, depois de quase 30 mil mortes e mais de 290 mil infeções registadas de covid-19, não são só as ilhas tentam reinventar o turismo. Receando a costumeira saturação de zonas costeiras em época balnear, a ministra da Indústria, Comércio e Turismo, Reyes Maroto, já defendeu a “diversificação tanto temporal como geográfica”, sugerindo que o setor seja um motor económico para regiões em risco de desertificação. Ou seja, canalizar viajantes de destinos como Maiorca, a Costa do Sol, Salou ou Lloret del Mar para áreas rurais – com populações mais envelhecidas, em maior risco covid-19.
“O temor, após o estrito isolamento das aldeias, é que agora haja fobia aos turistas”, escreveu o La Vanguardia, notando que os visitantes podem ser vistos como ameaça à saúde pelos moradores, sobretudo por aqueles com atividades económicas não ligadas ao turismo. Contudo, isso não impede cada vez mais pessoas de se virar para o interior. Aliás, este verão, mais de 80% dos catalães inquiridos pela Turislab têm os Pirinéus como destino preferencial, tentando manter-se isolados, ao ar livre e rodeados por natureza.
Olhos em Pequim Após Espanha controlar o seu brutal surto de covid-19, é fácil esquecermo-nos de que o vírus continua a circular. E receiam-se novos surtos nas cidades mais afetadas e arredores, como em Madrid ou Barcelona. Aliás, na imprensa espanhola, o caso de Pequim, que sofreu um novo surto após meses com a situação sob controlo, é observado com muita atenção – sobretudo após pequenos surtos em Girona, Valladolid e nos hospitais bascos de Basurto e Txagorritxu.
Face à nova normalidade prometida pelas autoridades, uns 79% dos espanhóis mostraram-se preocupados com o ressurgimento do coronavírus, numa sondagem da recente da Sigma Dos para o El Mundo, publicada ontem. Esse receio terá piorado com o ressurgimento de covid-19 no maior centro geriátrico publico do país, o lar Doctor González Bueno, na capital. Em finais de março o lar já sofrera pelo menos 15 mortes devido à pandemia, e no sábado soube-se que três residentes deram positivo ao vírus, voltando a ser proibidas as visitas, por precaução, segundo a Europa Press.