Após mais de 1500 empregados da maior fábrica de processamento de carne alemã darem positivo à covid-19, o distrito de Gütersloh regressaram ao confinamento. Entre testes em massa e medidas estritas, a Alemanha conseguira manter a pandemia relativamente controlada, começando a reabrir gradualmente. Subitamente, tiveram de fechar de novo bares, museus, teatros, cinemas, piscinas: em sítios públicos só se podem reunir pessoas que morem juntas, ou no máximo duas pessoas de casas diferentes. A população e as autoridades apontam o dedo à poderosa família Tönnies, dona da fábrica infetada, que lidera a indústria de abate de animais e é há muito acusada de explorar imigrantes, mantidos em condições terríveis e mal pagos.
“O coronavírus é como uma lupa. Ou seja, vemos coisas que já estavam mal, vemo-las muito, muito claramente. A exploração de pessoas da Europa Central e de Leste, que obviamente aconteceu aqui, está a tornar-se um risco de saúde com danos graves na pandemia”, criticou ministro do Trabalho alemão, Hubertus Heil, em entrevista à Bild. As estatísticas estão do seu lado: entre 70% a 80% dos sete mil operários da fábrica são subcontratados e obrigados a trabalhar em horários prolongados, sem lhes pagaram as horas extraordinárias, segundo a NGG, o principal sindicato do setor.
“As condições de trabalho nestas fábricas são absolutamente as piores: frias, muito, muito próximos, a trabalhar a alta velocidade. E a habitação é como nos tempos da escravatura. Quando o investigámos, encontrámos pessoas que tinham de partilhar camas. Fazes um turno de 12 horas e depois trocas”, descreveu Peter Schmidt, dirigente da NGG, ao Guardian.
A maior parte destes empregados são imigrantes, com poucas hipóteses de encontrar trabalho mais qualificado, que agora terão de ficar em completo isolamento – as autoridades enviaram equipas móveis para aplicar as regras, acompanhadas de tradutores de búlgaro, polaco e romeno, para os muitos que não falam alemão.
Entretanto, a indústria continua a sua “desastrosa corrida para o fundo, movida pelo mercado e pela procura de carne barata pelos consumidores”, nas palavras de Schmidt. O setor esteve envolvido em alguns dos piores surtos de covid-19, sobretudo nos Estados Unidos, que chegaram a ter uma escassez de carne, o mês passado, ao mesmo tempo que os produtores matavam milhões de animais e deitavam fora a carne, por não conseguirem que chegasse aos supermercados.
Zero confiança “Nestes tempos de coronavírus, não é só o risco de saúde – que já é mau o suficiente – para os empregados. Estamos a pôr em risco a saúde pública! O entusiasmo no distrito de Gütersloh era enorme, porque as pessoas estavam ansiosas pelo fim do confinamento”, lamentou o ministro do Trabalho. Disse ter “praticamente zero” confiança na Tönnies, uma empresa com receitas de 6,7 mil milhões de euros, só em 2018, que antes da pandemia já era alvo de processos judiciais por incumprimento das mais básicas condições laborais.
Por mais que a Tönnies peça desculpa por negar entregar às autoridades os dados dos empregados, ou se voluntarie para financiar testes aos cerca de 360 mil habitantes da região de Gütersloh, “os pais, que querem levar os filhos à escola, estão furiosos que este comportamento, onde as pessoas claramente não seguiram as regras, tome um distrito inteiro como refém”, garantiu Heil.