Num apelo aos portugueses para que façam férias cá dentro, o primeiro-ministro disse que foi por estes dias ao Algarve e ficou agradavelmente impressionado ao ver as praias e as ruas com pouca gente, podendo usufruir tranquilamente da beleza da região. Aqui, falava naturalmente o ‘António Costa turista’.
Mas, acrescentava ele, também foi positivamente surpreendido quando, ao chegar a Lisboa, se deparou com uma extensa fila de carros e teve de esperar 45 minutos para entrar na cidade. Aqui, falava naturalmente o ‘António Costa político’ – satisfeito com os sinais de retoma da vida normal.
Ou seja: a mesma pessoa sentia da mesma maneira factos de sentido oposto.
A verdade é que nada, nenhuma situação, tem só uma face. Mesmo nas catástrofes existe um lado positivo: uma oportunidade de mudança, uma janela que se abre para reconstruir as coisas doutra maneira.
Se esta crise ameaça ser devastadora para a economia, está a ser ótima para o ambiente, que pôde descansar por uns meses dos tremendos atentados a que diariamente estava sujeito.
Se o coronavírus vai mandar para o charco milhares de empresas, proporcionou a outras habituarem-se a novas formas de funcionamento, como o teletrabalho. E incentivou certas atividades como o take away, que em muitos casos veio para ficar.
Noutro plano, se em certas famílias o confinamento acentuou as desavenças, noutras o casal redescobriu o prazer da vida em comum, como nos confidenciava há algumas semanas Vicente Jorge Silva.
Tudo tem duas faces, como as moedas. Nada é cem por cento mau nem cem por cento bom.
O casamento é bom, porque é melhor viver acompanhado do que viver sozinho, mas obriga as duas partes a renúncias e condescendências que, a não serem feitas, inviabilizam a vida em comum.
Os filhos são bons, porque representam uma fonte de alegria e garantem a continuidade do nome da família e do seu patrimonio material, genético e afetivo, mas dão um trabalhão, implicam sacrifícios e causam enormes dores de cabeça.
Ter um animal em casa é bom, porque significa uma companhia leal que não exige nada em troca e permite estabelecer relações fora do círculo humano, mas custa dinheiro e torna-se por vezes uma fonte de chatices.
Os exemplos não têm fim.
Em tudo há um lado positivo e outro negativo.Até no racismo e na xenofobia, tema hoje tão debatido, isso se verifica.
A resistência (ou mesmo aversão) ao ‘estrangeiro’, ao que é ‘diferente’, tem obviamente um lado mau (ou péssimo) que não vale a pena explicar.
Mas também tem um lado positivo, que é exatamente a preservação da cultura de quem se sente ameaçado. A desconfiança em relação a quem vem de fora, a hostilidade ao intruso, é uma forma instintiva que as comunidades têm de se defenderem a si próprias, de protegerem os seus hábitos, usos e costumes, não deixando que outros, com outra cultura, os venham subverter.
Uma sociedade totalmente aberta em relação aos estrangeiros, aos desconhecidos, que os acolha sem problemas e os aceite sem resistência, é uma sociedade indefesa: facilmente será ocupada de fora, e a sua cultura ficará ameaçada.
É este, aliás, um dos problemas da Europa contemporânea: a política de portas abertas em relação aos migrantes, sendo louvável do ponto de vista humanista, da moral cristã, está a mudar a identidade de largos países, onde os próprio naturais começam a sentir-se intrusos na sua terra.
Em todas as questões não há uma só verdade.
Nada na vida tem só vantagens ou só desvantagens.
Em tudo há prós e contras, circunstâncias a favor e circunstâncias contra, argumentos que puxam para um lado e argumentos que puxam para outro
Nos momentos de decisão, há que pôr uns e outros nos pratos da balança e ver para que lado ela pende.
Sem dramas mas também sem preconceitos. Com isenção e espírito aberto.
Foi sempre assim que procurei decidir.
Não há decisões perfeitas: há decisões melhores e piores.
Todas as soluções têm custos.
As rosas são bonitas, românticas e decorativas. Mas não há rosas sem espinhos.