por Francisco Rocha Gonçalves
Vice-Presidente da Câmara Municipal de Oeiras
É muito difícil combater uma doença como esta covid-19, que se propaga rapidamente, que pode andar escondida sem que dela consigamos dar conta, para a qual não existe medicamento que cure ou vacina que previna e cuja única forma de defesa é evitar o contágio.
O problema é que fazer com que o vírus permaneça à distância, ou sucumba com falta de hospedeiro, obriga-nos a alterações comportamentais, tornando tudo mais complicado, porque somos naturalmente malcomportados, a todos os níveis.
Passado o primeiro choque, que obrigou a reagir e a fechar as portas de casa e das atividades económicas que contactam com o público, quando os dias se vão sucedendo e é mais custoso cumprir regras e obedecer a limites, tornam-se também mais visíveis as incongruências das mensagens das autoridades, as falhas nas narrativas políticas e os maus comportamentos de grupos, que gostariam de viver numa realidade alternativa, mais descansada, mas que estão presos nesta, em que é necessário aceitar ideias que parecem revolucionárias, como o respeito pelo outro e acatar ditames como a manutenção da distância física.
Por partes:
Primeiro, o mau comportamento das autoridades. É difícil, para qualquer um de nós, aceitar que os ajuntamentos se limitem a cinco, a dez ou a vinte cidadãos, sob pena de coima, quando vemos imagens do metro ou do comboio com carruagens a abarrotar de gente. Temos uma regra clara, imposta com recurso a medidas coercivas, mas que só funciona à superfície, não no subsolo, ou que só funciona quando os grupos se encontram imóveis e pode ser ignorada quando se deslocam por carris.
Este mau comportamento errático é também visível nos eventos que são autorizados, para dar a tal ideia de regresso à vida normalizada, face a outros que são impedidos.
Espetáculo? Depende de quem atua.
Manifestação? Em função de quem a convoca.
Depois, o mau comportamento dos políticos, que decidiram desconfinar rapidamente, com o Presidente da República e o primeiro-ministro a pedirem às pessoas para saírem de casa, procurando incentivar a retoma da atividade económica através de uma injeção de confiança nos consumidores. Deram o exemplo, com visitas a restaurantes e lojas, com a
presença sistemática de cachos de governantes em cerimónias públicas ou a assistência a espetáculos, num comportamento que foi seguido pela população, mas que, afinal, não o deveria ter sido tão livremente, porque o número de casos aumentou consideravelmente na região de Lisboa e Vale do Tejo, onde reside cerca de um terço da população da portuguesa, obrigando a novas restrições.
O mau comportamento deitou por terra a narrativa do milagre português ou tornou visível a situação periclitante em que nos encontrávamos.
Finalmente, a questão, talvez geracional, de quem considera aborrecido, “uma chatice”, cumprir regras.
Se olharmos para o retrato que é feito dos jovens, provavelmente ainda agarrados à ideia de que a doença só mata os mais velhos, presos nos lares, não podemos deixar de nos espantar com a incapacidade de uma geração tão bem preparada não ter disciplina, bom senso ou a tal ideia peregrina de respeito pelo outro.
Claro está que os comportamentos necessários para combate ao covid-19 negam, em grande medida, o que somos, humana e culturalmente.
Verdade. Mas o mínimo que se exige, a uma comunidade que enfrenta uma ameaça como esta, é inteligência, organização e disciplina.
Os exemplos exagerados das lideranças criaram um sentimento de ligeireza desnecessário, com uma excitação pública que roçou o patético e que, agora, apenas embaraça.
Há, todavia, uma marca socioeconómica nos números da evolução da pandemia que não está diretamente relacionada com liderança ou com comportamento: o vírus não trata todos por igual.
As chagas de pobreza e da indignidade de habitação são mais afetadas. As zonas habitadas por aqueles que têm de ir trabalhar, utilizando sobretudo transporte público ou privado com poucas condições (como da construção civil), são mais afetadas.
Disse atrás que este comportamento pouco democrático da covid-19 não tinha a ver diretamente com as lideranças mas, na verdade, tem.
Não apenas com estas mas com todas as que nos trouxeram até aqui.
Ver as chagas de miséria que subsistem na periferia da capital, ou ouvir as pessoas dizer que têm medo de andar nos transportes públicos, apinhados de gente, mas que precisam de trabalhar, deve pôr-nos a pensar: de quem é/foi o mau comportamento?