A pandemia veio alterar quase tudo na política portuguesa. O Governo e os partidos foram obrigados a rever as suas estratégias e António Costa ganhou um protagonismo pouco habitual. O primeiro-ministro aparece quase todos os dias a traçar a estratégia para enfrentar a pandemia. Nunca se viu, aliás, um chefe de Governo dar tantas entrevistas e prestar tantas declarações diárias aos média, bem como marcar mensagens ao país. António Costa, como normalmente acontece com os líderes políticos e institucionais em casos de grave crise como a da pandemia de covid-19, disparou na popularidade para índices raramente vistos – rivalizando mesmo com o Presidente da República.
Mas o excesso de exposição pública favorece o primeiro-ministro ou há o risco de começar a dar sinais de desgaste?
Rodrigo Moita de Deus defende que a exposição de António Costa desde que a pandemia teve início em Portugal tem sido «normal». «Em momentos de crise, é normal os stakeholders tentarem ocupar o máximo de espaço de comunicação possível», explica ao SOL, acrescentando que a presença mais assídua do primeiro-ministro no espaço público durante os últimos quatro meses é quase «obrigatória». «Até para evitarem desinformação e rumores», esclarece.
O consultor, que esteve ligado a várias campanhas eleitorais, explica que, em teoria, esta exposição do primeiro-ministro deverá desgastar a sua imagem. «O primeiro-ministro tem que assumir uma série de posições que não são dele, ou seja, não é um especialista em virologia nem epidemiologia, e tem que confiar em absoluto nos quadros e nas instituições com quem trabalha, no caso, as instituições públicas. O desgaste está todo aí», explica, antes de afirmar que, na prática, o que acontece é que António Costa tem vindo a comprometer-se com coisas das quais não tem conhecimento técnico para se comprometer.
Entre o ‘normal’ e o ‘excessivo’
Apesar de esta ser uma crise mundial, que, por isso, não se poderá comparar com crises internas, Rodrigo Moita de Deus considera que é possível comparar com outros casos. «Em Portugal, existe muito esta coisa de os políticos assumirem as dores da máquina, quando falam como se tivessem que ser especialistas», afirma, dando o exemplo do ex-ministro da Defesa Azeredo Lopes aquando do caso Tancos. «O ministro da Defesa a falar sobre Tancos estava a falar sobre uma rede, e há toda uma cadeira hierárquica por baixo dele que é responsável direto pela rede – mas ele respondia como se fosse responsável pela rede», explica
Já Carlos Abreu Amorim afirma que, durante os últimos meses, houve claramente uma sobreexposição, mas não a atribui apenas ao primeiro-ministro.
Ao SOL, o ex-deputado do PSD defende que os responsáveis governamentais e até Marcelo Rebelo de Sousa tiveram um palco mediático «inusitado».
«Eu penso que houve, nitidamente, uma tentativa de aproveitamento mediático por parte do Governo em seu próprio benefício procurando dar a ideia de que estavam a desenvolver e a executar uma estrtágia muito trabalhada de resposta à pandemia e, designadamente, depois, com o início do desconfinamento», afirmou.
O comentador afirma, no entanto, que o «problema» da intenção da exposição mediática é quando a mesma é «desmentida pela realidade». «Penso que, neste momento, já podemos concluir que não houve estratégia de desconfinamento», afirmou, explicando que, pelo contrário, existiu muita propaganda política e spin doctor do marketing político. «O desconfinamento não funcionou porque não houve estratégia do Governo», acusa, afirmando que a única estratégia que existiu foi a mediática, não só do primeiro-ministro, como de outros ministros.
Ao SOL, Carlos Abreu Amorim afirma ainda que a decisão «mais sábia dos últimos tempos que foi feita a esse nível» foi a de as conferências de imprensa diárias passarem a realizar-se três vezes por semana. «Aquilo, de facto, começava a ficar um espetáculo penoso, tais eram as contradições que existiam e a falta absolutamente pungente de estratégia e linha de rumo», afirma, referindo-se ao desconfinamento.
Carlos Abreu Amorim defende ainda que esta estratégia comunicacional não é uma forma de atuação consequente da pandemia, já que a política para este Governo não está relacionada, a seu ver, tanto com «lógica das políticas públicas» ou com a «execução do interesse público». «É a política de José Sócrates, mas com a nova embalagem. O objetivos é esse: disfarçar os erros, camuflar as inexistencias e exaltar aquilo que parece ser um êxito», afirna.
Quando ao futuro, Rodrigo Moita de Deus confessa temer que as contradições do Governo se reflitam num maior afastamento das pessoas em relação ao poder político e, consequentemente, no crescimento da abstenção, que já nas últimas legislativas atingiu recordes, fixando-se em 45,5%.
Já Carlos Abreu Amorim reconhece que o sucesso que que a política comunicacional do Executivo tem vindo a ter poderá vir a resultar no futuro, tal como aconteceu na altura dos incêndios de 2017. «Quer os incêndios de Pedrogão, quer os incêndios em todo o país, eventualmente, seriam suficientes em qualquer democracia madura para que o Governo fosse penalizado eleitoralmente. A atuação comunicacional dos spin doctors foi de tal forma, que isso não aconteceu», defende, afirmando que, tal como aconteceu há três anos, há partida não existirá um «castigo eleitoral».
Um Governo com muito poucos com peso político
António Costa perdeu alguns ministros com peso político nos últimos tempos. Viera da Silva, que era um dos ministros mais experientes, deixou a vida política e não transitou para o novo Governo. Mário Centeno não tinha experiência política quando entrou para o Governo, mas tornou-se uma figura central e ganhou peso a nível europeu.
Ao SOL, António Costa Pinto lembra que há «bastantes anos» que o modo de formação dos Governos portugueses, quer do PS, quer do PSD, apontam «para uma grande centralidade política do primeiro-ministro». «Sob esse ponto de vista, a saída de Mário Centeno não altera basicamente o peso político do primeiro-ministro», afirma o politólogo.
Augusto Santos Silva e Pedro Nuno Santos são provavelmente os ministros com mais peso político dentro do PS. Os dois alimentaram uma discussão ideológica no último congresso. Augusto Santos Silva defendeu, nessa altura, que «o futuro da esquerda democrática não está na radicalização política ou programática (…) O caminho não é, portanto, oscilarmos para os extremos, mas sim manter a autonomia do nosso posicionamento central».
Pedro Nuno Santos não esconde a ambição de chegar à liderança do partido e, ao contrário de Santos Silva, defende um partido mais virado para a esquerda. O ex-líder da JS foi um dos principais defensores da ‘geringonça’ e foi ao último congresso do partido defender que o caminho do partido tem de se feiro ao lado do povo de esquerda. «O PS só pode, só merece, só manterá uma maioria no país se não deixar de falar para este povo, que é o povo que esteve sempre na origem dos partidos como o nosso», afirmou o agora ministro das Infraestruturas e da Habitação.
António Costa não gosta do protagonismo que Pedro Nuno Santos assume em determinados momentos, mas o ex-líder da JS não deixa de ir construindo o seu caminho. Toda a gente no partido sabe que será candidato à liderança com a bandeira de um PS. Nessa altura é inevitável o retorno à discussão sobre o posicionamento do PS.
O próximo congresso foi adiado devido à pandemia. Fica assim de fora do congresso a discussão sobre as eleições presidenciais. António Costa abriu a porta a um eventual apoio a Marcelo Rebelo de Sousa, mas acabou por adiar essa discussão para mais tarde. Mesmo dentro da direção há quem prefira apoiar um candidato próprio. A outra hipótese em cima da mesa passa por dar liberdade de voto aos militantes. Figuras como Carlos César, Ferro Rodrigues, João Soares e Jorge Coelho já admitiram apoiar o atual Presidente da República. A decisão deverá ser tomada até ao final do ano.