Depois da forma monstruosa como interpretou Don Vito Corleone no filme de Francis Ford Coppola de 1972, The Godfather, em português O Padrinho, não havia maneira de não fazer o Óscar para melhor ator principal desse ano chegar às mãos de Marlon Brando. Era, por assim dizer, «An offer that you can’t not refuse», para citar uma das frases mais icónicas do cinema. Brando esteve-se nas tintas. Recusou mesmo. Já tinha uma estatueta daquelas em casa desde 1954, quando fez de Terry Maloy em On The Waterfront (Há Lodo no Cais), de Elia Kazan, e não estava disponível para mais uma das entediantes festarolas da Academia. Era um tipo com mau feitio, é preciso reconhecê-lo. Bastante mau feitio. Algo que lhe arranjou sarilhos até ao fim da vida.
O episódio da recusa do Óscar por parte de Brando deu tanto que falar na Hollywood de então que ganhou nome e tudo: «The Brando Óscar». Uma senhora dirigiu-se ao palco no momento em que foi aberto o envelope com o nome do intérprete de Don Vito. Tinha uma missão a cumprir e cumpriu-a bem. Declinou educadamente a estatueta em nome do vencedor e lançou-se num discurso devastador contra a política do Governo dos Estados Unidos em relação à população nativa americana. Assumiu-se ela própria como descendente de índios e as suas palavras ecoaram numa sala na qual reinava um silêncio chocado, provavelmente apenas quebrado pelo pigarrear de alguns senhores e pelo frufru dos vestidos das madamas. A mulher que representava Brando chamava-se Sacheen Littlefeather, nome mais do que adequado a quem vinha de uma linhagem que remontaria, se calhar, ao Touro Sentado que impôs a derrota humilhante ao general Custer na batalha de Little Big Horn. Infelizmente para ela, foi desmascarada pouco depois. De sangue índio não tinha nem uma gota. Era uma espécie de secretária de Marlon Brando para todo o serviço e, durante anos a fio, garantiu que guardara o Óscar numa gaveta de uma escrivaninha de casa do ator.
Miss Littlefeather, ou fosse lá quem fosse, demonstrou ser uma mentirosa de alto coturno. Em 1995, Marty Ingels, agente de Brando, anunciou que o Óscar ganho por O Padrinho iria ser levado a leilão para resolver os galopantes problemas financeiros de Marlon, sempre embrulhado em divórcios e em pensões para os filhos. O anúncio deixou muita gente com a pulga atrás da orelha. Não havia qualquer prova de que Miss Littlefeather tivesse levado o objeto com ela no final da cerimónia. Bem pelo contrário. Houve até quem se desse ao trabalho de ir ver, frame a frame, a sua presença no palco e testemunhar que ela nunca sequer tocou na estatueta. Os responsáveis pela Academia afirmaram perentoriamente que o Óscar de Brando tinha sido recolhido ao armazém de onde voltaria à luz para premiar outro ator qualquer numa bambochata futura.
No meio da sua vida confusa, Marlon Brando via-se também envolto numa acusação de fraude, o que não vinha nada a calhar. Então, Ingels tirou um coelho da cartola: fez publicar nos jornais a foto do Óscar, revelando na base o n.º 1601. Todos os Óscares eram devidamente numerados para que não pudessem surgir réplicas. O mistério adensou-se, até porque a Academia teve de reconhecer que a numeração era autêntica. A tranquibérnia foi de tal ordem que meteu investigação oficial, uma desconfiança sobre Roger Moore que teria levado o Óscar que para ali ficou ao Deus dará, e o diabo a quatro. A verdade é que Marlon Brande conseguiu, finalmente, embolsar uns dólares e seguir para França onde filmaria O Último Tango em Paris com Bernardo Bertolucci e Maria Schneider, voltando a arranjar uma carga de trabalhos por causa de um pacote de manteiga e uma cena de sexo anal pelos vistos não consentido, o que ainda hoje faz com que atriz se arrependa por não o ter processado por violação.
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