Das más chefias às dificuldades no terreno

“Há-de ter falhado muita coisa”, assumiu Duarte Cordeiro, numa semana marcada pelo reconhecimento das dificuldades em várias frentes em Lisboa.

Dos transportes sem distância mínima nas horas de ponta às chefias, do reforço das equipas às dificuldades no terreno. A semana ficou marcada pelo reconhecimento das dificuldades no controlo da epidemia na grande Lisboa. Fernando Medina abriu as hostilidades, apontando o dedo às autoridades de saúde e considerando ter também falhado a mensagem de que o problema estava resolvido. «Com más chefias e pouco exército não conseguimos ganhar esta guerra», disse, esclarecendo depois que se referia às estruturas locais. Recebeu resposta da bancada do PSD, que criticou por exemplo a falta de planeamento de reforço da Carris. E houve quem lembrasse os surtos em hosteis que acolhiam migrantes e onde houve surtos.

Os transportes fizeram também correr críticas, com o Governo a assegurar que não existe sobrelotação e a ministra da Saúde a garantir que até à data não foram associados novos casos ao uso de transportes. Num trajeto pela Linha de Sintra, o SOL pode constatar que nem todos os comboios circulam cheios, mas os primeiros da manhã seguem com os lugares sentados ocupados, muitas pessoas em pé e muitos utilizadores dizem não se sentir seguros. Havendo transmissão comunitária em Lisboa, casos em que não é possível identificar onde a pessoa contraiu a doença, o risco não pode ser descartado. Carlos Carreiras, presidente da Câmara de Cascais, admite agora cercas sanitárias aos transportes que entram no concelho para evitar o contágio de Sintra e Oeiras. A Área Metropolitana garantiu, entretanto, o reforço do serviço rodoviário.

 

Infetados que não é possível contactar

Vieram a público outras dificuldades. O Governo garante que as equipas de saúde pública que fazem inquéritos epidemiológicos já foram reforçadas com recém-especialistas e internos, mas a Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública insiste que é insuficiente e que não está a ser preparada uma estrutura de resposta para rastreio de contactos adequada. Por sua vez, o coordenador do gabinete regional de supressão da covid-19, Rui Portugal, revelou que todos os dias não é possível contactar cerca de 100 pessoas que estão infetadas, dado existirem moradas falsas. «Temos concelhos como Sintra, Odivelas, Amadora, Loures e Lisboa com residentes de cerca de 100 nacionalidades diferentes. Não é a mesma coisa fazer inquéritos aqui ou em Cinfães, na Maia, em Espinho», disse o médico ao Público. «Em Lisboa, há pessoas com nomes com o maior número de consoantes que alguma vez imaginámos ser possível e não sabemos distinguir muitas vezes o que é apelido ou nome próprio, nem se é menino ou se é menina. São realidades completamente diferentes e de enorme exigência em termos de recursos».

Já ontem, ao mesmo jornal, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, coordenador para a covid-19 na região de Lisboa, defendeu que «não é expectável que consigamos resolver todos os problemas estruturais que tínhamos antes da covid, para responder à covid». O que falhou? «Não tenho certezas. Há-de ter falhado muita coisa», disse. Assumindo que parte do problema está relacionado a vulnerabilidade socioeconómica, disse não haver certezas de que o grosso do problema esteja aí. Se os casos em Lisboa começaram a aumentar no final de abril, a resposta na vertente social foi reforçada agora com equipas multidisciplinares que fazem visitas a casa a famílias mais carenciadas com dificuldades em manter o isolamento.