Hannibal Lecter pode ter ficado para o imaginário de todos nós com as expressões malévolas desse actor extraordinário chamado Anthony Hopkins, mas o primeiro intérprete da personagem de Thomas Harris no cinema foi Brian Cox em Manhunter, de 1986, dirigido por Michael Man. Na altura ainda não era Lecter. Era o Dr. Hannibal Lektor, um psiquiatra assassino e canibal que tinha tanta ou tão pouca importância que só surge em duas cenas. Cox, nascido em Dundee, na Escócia, também nunca teve um protagonismo por aí além a despeito da sua participação numa muito razoável quantidade de filmes e em diversas séries televisivas. Já com Hopkins, a coisa mudou claramente de figura. Hannibal surgiu pela primeira vez em 1981 no livro Red Dragon. Seguiram-se mais três obras de Harris: O Silêncio dos Inocentes (1988), Hannibal (1999) e o Regresso de Hannibal (2006). O desenvolvimento da personagem atingiu pormenores que levaram muita gente a lançar-se na procura de quem seriam os criminosos que influenciaram Harris na construção de tão requintada figura. Thomas Harris nunca foi muito palrador. Evitou as entrevistas que pôde, manteve em seu redor uma aura de certo mistério e, mais ainda, envolveu as suas ideias literárias numa nuvem de secretismo. Só que Hannibal escapou por completo às mãos do seu inventor. A forma como Anthony Hopkins lhe deu uma personalidade própria, transformou-o num ser fascinante, o arquétipo do serial killer sem qualquer tipo de escrúpulos, um psicopata de corpo inteiro que, com o desenrolar da trama, evolui para um ser monstruoso. «They don’t have a name for what he is», sublinha Jodie Foster no papel de Clarice Starling no filme de Jonathan Demme que se tornou uma obra de culto da filmografia policial. O facto de Hannibal ser, ao mesmo tempo, um fulano charmoso, cavalheiresco, com uma certa capacidade para ser ele mesmo o fomentador da justiça, adensa-lhe o mistério. Sobretudo quando, a certo ponto, Harris nos revela a sua infância brutalizada e o facto de ter sido obrigado a assistir ao assassínio e à canibalização da irmã mais pequena.
A verdade é que, como descreveu Sebastian Prooth em Criminal Masterminds, Lecter é uma mente brilhante inacessível para todos os investigadores e psicólogos que pretendem ter acesso às circunvoluções do seu cérebro maléfico, uma besta que se satisfaz na tortura dos seus inimigos e inflige a muitos momentos de uma violência horrífica sem qualquer noção de arrependimento.
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