Esta frase de Martin Luther King mudou a história da América e teve influência em todo o mundo.
Foi proferida a 28 de agosto de 1963 com a força de uma convicta serenidade. Foi gritada a plenos pulmões nos degraus do Lincoln Memorial em Washington, perante mais de um quarto de milhão de apoiantes.
King era um combatente antirracista, cristão, defensor da conquista da igualdade de direitos através de protestos veementes, sistemáticos, mas sempre por meios pacíficos.
Foi assassinado em 1968 depois de ter sido Prémio Nobel e ter recebido a Medalha de Ouro do Congresso. Eternizou-se como símbolo incontornável.
Aquela icónica frase mudou toda o trajeto do combate pelos Direitos Civis nos Estados Unidos da América.
Cada avanço positivo na luta pela igualdade racial acabou por estar sempre ligado a Luther King.
Hoje, mais de 50 anos passados, numa nação de emigrantes, mas em que mais de 80% são brancos, em que os negros são menos de 15% da população, cidadãos afro americanos já lideraram a política de estrangeiros, as forças armadas mais poderosas do mundo e elegeram duas vezes um Presidente.
Qual o país do mundo com esta desproporção demográfica entre raças fez igual? Quantos brancos já presidiram a um país africano subsaariano ou quantos negros lideraram um país da UE?
Ao contrário, são muitas dessas sociedades que agora alimentam o habitual antirracismo ‘caviar’, que nunca seguirão na prática os ensinamentos humanistas de Luther King.
Como ele se deve sentir triste com a arruaça delinquente que dos dois lados do Atlântico tenta reescrever a história e que, na verdade do seu âmago, por esta via e com este pretexto, mais não anseia que reabilitar os bem caucasianos Estaline e Lenine, ou os amarelos avermelhados Mao e Pol Pot.
Fazem-no partindo montras, pilhando e degolando estátuas. Como sempre o fizeram.
Mas o que foi que em Portugal me recordou o herói morto em Memphis?
A estratégia inteligente do primeiro-ministro António Costa. ‘Ele também teve um sonho’. Conseguir o que nenhum outro líder conseguiu até hoje, um sonho que chegou a pairar na mente de um dos fundadores do PS, Mário Soares.
Era algo que era então, décadas 70 e 80 do século passado, perseguido por muitos partidos dominantes na Europa: a capacidade de ‘mexicanização’ do regime.
Tal significava prolongar a hegemonia no poder por por parte de um partido central abrangente. Tal como o havia conseguido o Partido Revolucionário Institucional (PRI) de má memória.
No país dos mariachis o PRI conseguiu esse milagre com pouca ideologia, mas sempre com um discurso de esquerda conveniente, populista qb, pondo o enfoque no controle das instituições de Estado. Ora influenciando a Justiça, ora domesticando completamente a comunicação social.
Por razões aritméticas tal intuito só poderia surgir da esquerda para a direita e na Europa nenhum líder socialista teve esse talento, nem tão pouco uma conjuntura favorável. Apesar de tudo, o continente europeu foi sempre o berço da mais exigente cultura democrática, sempre pouco propensa a esses estertores terceiro-mundistas.
Finalmente um líder europeu, António Costa, e até sem excessos antidemocráticos, está a ter o talento que poderia almejar esse feito e tem tido uma conjuntura muito propícia a tal desiderato.
Três pressupostos conjugaram-se para isso de forma sinérgica.
Um Presidente aliado, que abdicou totalmente de qualquer tipo de postura de contra poder ou sequer de arbitragem e que tem como principal objetivo condicionador da sua ação a tentativa de bater nas urnas a popularidade de Mário Soares – o Presidente eleito até hoje com maior score.
Uma oposição à esquerda, que trocou o apoio político por contrapartidas a um sindicalismo moribundo, isto no caso do PCP. Outra, trocou o voto parlamentar por meia dúzia de reformas centradas em políticas de ‘valores’, muito ligadas às aspirações do seu eleitorado, neste caso refiro-me ao Bloco de Esquerda. Igualmente, o Bloco, com relevo para as suas mais exuberantes figuras, aspirava a uma putativa ascensão à esfera do executivo – um pouco à moda do que aconteceu há anos com os Verdes alemães.
Finalmente, Costa herdou um centro-direita muito fragilizado. Um PSD que pós-troika ainda não encontrou um rumo, um CDS em queda livre a caminho de uma eventual depreciação irreversível, o aparecimento de um novo partido nacional populista, o Chega, que cresce à custa dos dois partidos que nos últimos quarenta anos monopolizaram este espaço político.
Durante a primeira legislatura o PS manobrou a seu belo prazer o PCP e o BE, reitero-o, um por necessidade de sobrevivência de uma Intersindical depauperada e outro pela bem gerida vaidade das meninas jet set da esquerda estalinista. Cresceu em votos e tornou estes parceiros mais frágeis e menos decisivos.
Agora, aproveitando a emergência sanitária, limitou-se a usufruir da união natural do país em volta do poder estabelecido e a dar palco ao idiossincrático ‘sentido de Estado obsessivo e militante’ do líder do maior partido da oposição. Continuou assim a faturar apoio popular.
Para ajudar à festa teve até 2019, à esquerda, o folclórico PAN, hoje em dia tem, à direita, a inofensiva e bem educada Iniciativa Liberal e o abençoado Chega, que para além de ir sugando todos os dias franjas eleitorais do PSD e do CDS, ainda serve para mobilizar o ingénuo e inconsequente fulgor antifascista das múltiplas alas da fraturada extrema esquerda.
Politicamente tudo corria pois de feição, pois o problema presidencial foi contornado em poucos minutos de visita à linha de montagem da Autoeuropa e as eleições autárquicas surgiriam com um país em superavit e com o líder da oposição a já colocar o patamar de sucesso numa mera subida do número de presidências obtidas.
Para enfrentar dissabores inesperados, o controle da pandemia tinha-nos tornado nos magníficos vikings do sul e até a moribunda UE finalmente faria o papel de Pai Natal, colmatando os efeitos de uma recessão, que seria profunda mas de rápida recuperação.
Pois, mas lagartixa nunca deu jacaré! E a nossa ancestral incapacidade de gerir o sucesso explodiu. Também era óbvio, tal a dramática incapacidade da superestrutura do sistema público de saúde.
Desconfinamento desastroso, recessão muito mais gravosa e duradoura do que se previa, União Europeia a mitigar a bondade franco-alemã e de novo a arrastar os pés. A somar a isto a crise desnudou uma evidência, a de que o líder não tem equipa à altura de dar uma mãozinha quando as coisas correm mal.
De repente tudo pode passar a imprevisível e pode mesmo vir a correr mal. Para o primeiro-ministro e para o país.
Pode, mas António Costa continua a ser o mais sagaz detentor de poder do Portugal democrático e quem empalma num ápice o seu principal crítico, Francisco Assis, ainda pode ter fôlego e vontade para continuar a demonstrar que os seus opositores, mesmo com quase tudo a seu favor, não passam de uns meninos de coro.
O jogo para 2023 está pois longe de estar jogado, Costa pode não atingir as alturas do seu sonho, mas pode bem continuar a sustentar as suas legítimas ambições.