“Acredito que, na maior parte das vezes, pode confiar-se em autoridades médicas respeitadas”, defendeu-se o especialista em doenças infecciosas Anthony Fauci, esta terça-feira, enquanto enfrenta uma campanha de descrédito vinda da Casa Branca. “Creio que sou uma delas”, acrescentou o médico, que aconselhou seis administrações norte-americanas, republicanas e democratas, e é um dos rostos do combate ao VIH no país. “Eu confiaria em autoridades médicas respeitáveis que têm um histórico de dizer a verdade”, sugeriu, num fórum virtual da Universidade de Georgetown.
Que a farpa estava destinada à administração de Donald Trump, conhecida por distorcer factos ou divulgar mentiras com frequência, é difícil de disputar. É que à medida que a pandemia de covid-19 acelera nos Estados Unidos, que registam 3,5 milhões de infeções, com quase 140 mil mortes, as promessas do Presidente de que a covid-19 desapareceria na primavera, como que por magia, não envelheceram bem. Com eleições à vista, em novembro, os seus críticos acusam-no de querer fazer de Fauci um bode expiatório, e o médico parece dar troco.
A rutura entre Trump e Fauci pode ser ainda ilustrada pelo facto de o Presidente norte-americano não se reunir com o diretor do Instituto Nacional de Doenças Alérgicas e Infecciosas desde 2 de junho – algo impensável no meio de uma pandemia que ceifou 935 vidas nos EUA só esta terça-feira: ontem, o Texas e o Arizona começaram a preparar camiões frigoríficos para aguentar o fluxo de cadáveres.
Estes dois estados estão entre os mais afetados, juntamente com a Florida. Durante semanas, gabaram-se de terem sido os primeiros a reabrir, numa altura em que o número de novos casos estava a subir. Fauci, na altura, multiplicou-se em avisos quanto aos perigos de aliviar medidas depressa demais; já Trump e os aliados referiam frequentemente a Florida, o Texas e o Arizona como exemplos a seguir.
Em entrevista à Fox News na semana passada, Trump notou que apesar de Fauci ser “um tipo simpático”, “cometeu muitos erros”. Foi o prenúncio do que estava para vir: no sábado, a Casa Branca chegou ao ponto de entregar aos jornalistas uma lista de erros cometidos pelo cientista – o tipo de pesquisa que, em geral, é reservado para rivais políticos. A lista incluía coisas como as dúvidas iniciais de Fauci de que pacientes assintomáticos pudessem ter um papel destacado na transmissão do vírus, como hoje sabemos, ou que a pandemia alterasse fundamentalmente o quotidiano da população, como previu em fevereiro.
Na lista da Casa Branca também eram mencionadas as reservas de Fauci quanto ao uso generalizado de máscaras no início da pandemia, quando parecia estar prestes a haver uma escassez de máscaras médicas. Desde então, Fauci tornou-se um dos seus mais ardentes defensores, quando muitos governadores aliados de Trump continuam a recusar impor o seu uso.