por Francisco Rocha Gonçalves
Vice-Presidente da Câmara Municipal de Oeiras
Quando o putativo candidato a líder de um dos grandes partidos portugueses, um partido de governo, diz que prefere um candidato presidencial oriundo do PCP, ou do Bloco de Esquerda, e recusa Marcelo Rebelo de Sousa – mesmo depois de uma generosa coabitação – porque só votaria num candidato da sua esquerda, percebemos que, muitas vezes, os planos se misturam e estamos a falar, afinal, de futebol sem termos percebido.
Pedro Nuno Santos justifica este posicionamento com a visão que tem da vida, da sociedade e do Estado, que estará mais longe do que postula Rebelo de Sousa, mas mais perto do que se defende na Soeiro Pereira Gomes ou na Rua da Palma.
O atual Presidente da República estará, politicamente, entre a social-democracia e a doutrina social da igreja, isto é, no centro-direita do espectro político português. Todavia, ainda que oriundo de outra família política que não a socialista, Marcelo Rebelo de Sousa tem algo na sua génese que PCP e BE não têm, como evidencia a sua ação e a sua postura, o que parece pouco contar, que é ser um democrata.
Quando a “geringonça” foi constituída, homens como Francisco Assis estiveram liminarmente contra este acordo, porque acreditaram que não era possível ao PS fazer alianças com forças políticas não democráticas, porque, isso sim, seria trair princípios e valores que o seu partido sempre defendeu.
Tradicionalmente, os partidos dos extremos do espectro político aceitam o jogo democrático e utilizam as suas regras, mas não o defendem, porque a sua natureza é ser contra o sistema.
Vemos isso quando lemos as ideias programáticas do PCP ou do BE quanto à política externa, política económica ou o seu posicionamento face a situações concretas.
A democracia na Coreia do Norte é mesmo uma questão de opinião? É possível sentirmo-nos mais próximos de um regime como o venezuelano, no qual 80% da população é considerada em pobreza extrema?
O putativo delfim socialista, que é livre e que diz o que pensa, cristalizou num momento específico na vida política portuguesa, aquando da criação da “geringonça”, constituída como resposta ao caminho por onde Pedro Passos Coelho estava a levar o PSD, que perdeu, por momentos, o seu azimute, o seu foco no centro.
O desequilíbrio do PSD de então deu espaço para que fações mais liberais, ou mais populistas, tivessem o seu palco, os seus 15 minutos de fama, antes de se eclipsarem, naturalmente. Essa não é a matriz do partido (seguindo, naturalmente, o seu próprio caminho).
O raciocínio de Pedro Nuno Santos padece exatamente do mesmo pecado original do de Passos Coelho.
Se o ex-primeiro-ministro considerava bom tudo o que viesse da direita, aquele, que dizem ser o preferido das bases socialistas para uma eventual sucessão de António Costa, afirma que o que é bom é tudo o que vem da esquerda, independentemente do que for.
Apoiar cegamente alguém que nem sequer se conhece, só porque é do mesmo clube, é comportamento de claque.
Não saber ler que a “geringonça” constituiu um epifenómeno, uma aliança conjuntural resultante de um tempo específico de bipolarização forçada, que dividiu o país, em que a liderança do PSD foi capturada por quem não representava a matriz do partido, é teimar em viver numa realidade alternativa.
O maniqueísmo sectário é próprio de claques ou juventudes partidárias, não é aceitável para soluções de governo ou para perspetivas de longo prazo nos partidos.
Paira no ar novo estigma de bipolarização, mas basta olhar para o PSD para percebermos o potencial pernicioso que estes movimentos tiveram e têm no partido e, de forma indireta, para o País.
A participação política sai diminuída quando gastamos as energias a olhar para o umbigo e não para fora.