ista a partir das circunstâncias do seu nascimento, da forma como determinaram o que seriam os anos da sua infância e adolescência, é como se a sua vida não pudesse ter sido outra. Quando a 5 de agosto de 1962 Nelson Mandela foi detido juntamente com Cecil Williams perto da cidade de Howick e enviado para a prisão de Marshall Square, em Joanesburgo, Zindzi não tinha ainda completado dois anos de vida. Em 1985, aos 24 anos, foi ela quem leu o histórico discurso em que o seu pai se recusou a negociar a sua libertação com o regime do então Presidente sul-africano, P.W. Botha. A condição seria viver confinado ao território de Transquei, de onde era originário e por essa altura transformado pelo Partido Nacional de Botha num gueto para sul-africanos negros.
Nascida a 23 de dezembro de 1960 no Soweto, na então designada de União Sul-Africana, um país que, de unido, tinha pouco ou nada, Zindzi Mandela foi a terceira filha dos histórico líderes anti-Apartheid Nelson Mandela e Winnie Madikizela-Mandela. O ano do seu nascimento foi o exato ano da fundação do braço-armado do Congresso Nacional Africano (CNA), organização perseguida pelo regime vigente e que chegou ao poder com o fim do Apartheid e a eleição de Nelson Mandela em 1994 — e que governa o país até hoje.
A infância, passada longe do pai, que seria libertado apenas em 1990 — em julho do ano seguinte tornar-se-ia o 11.º presidente do Congresso Nacional Africano — foi também marcada por várias ausências da mãe, nos períodos em que esteve também ela presa. Nesses tempos, ficou ao cuidado de Zenani, a sua irmã mais velha.
A sua infância, foi a que se imaginará como a infância da filha do ícone da oposição a um regime que opunha as leis da segregação pela força. Durante os anos da prisão de Mandela em Robben Island, foi constante vítima de ataques intimidatórios por parte daqueles que defendiam o regime do Apartheid, escrevia esta semana o correspondente da BBC na África do Sul. Tinha apenas três anos quando o pai foi condenado à prisão perpétua em Robben Island.
O momento em que chamou para si a atenção internacional – aquele dia de 1985 em que através da sua voz as palavras de resistência (e não desistência) do seu pai ecoaram pelo mundo através da sua voz – seria apenas um de muitos. Até porque uma voz a que pudesse chamar de sua já Zindzi tinha por essa altura há muito.
Foi com apenas 12 anos que escreveu uma carta às Nações Unidas pedindo proteção para a sua mãe, que via constantemente ameaçada pelas autoridades sul-africanas. «Escrevo-vos esta carta porque se a minha mãe o fizesse poderiam não a receber, uma vez que a maior parte das cartas que escreve aos seus amigos não lhes chegam», citava esta semana o New York Times num texto em que recuperava a célebre missiva. «A família e os amigos da mamã têm receio de que se esteja a construir uma atmosfera para que algo de terrível aconteça à mamã».
Estava-se ainda no ano de 1973. Apenas quatro anos mais tarde, em 1977, a sua mãe foi forçada ao desterro em Brandfort, na província do Estado Livre, a mais de 400 quilómetros de Joanesburgo, e levou Zindzi consigo. Acabaria por estudar na Suazilândia e, mais tarde, por se formar em Direito na Cidade do Cabo. Foi depois disso que se tornou emissária do seu pai, ainda preso político do regime de P.W. Botha.
Em 1985, com a intensificação do conflito no país, quando já há muito a luta dos seus pais era também a sua, tornou-se ela a principal responsável pelas diligências pela proteção dos seus pais. Lindiwe Sisulu, também ela filha de um outro ativista anti-Apartheid, Walter Sisulu, e atual ministra do Governo de Cyril Ramaphosa, contava ao New York Times ter sido nesse momento que Zindzi se tornou ela própria ativista. Paralelamente, fez-se poeta, construiu uma carreira diplomática.
À data da sua morte, noticiada na passada segunda-feira sem que fossem dadas a conhecer as causas, Zindzi Mandela desempenhava funções de embaixadora da África do Sul na Dinamarca, cargo para o qual foi nomeada em 2015. Segundo a SABC (South African Broadcasting Corporation, a televisão estatal sul-africana), morreu num hospital de Joanesburgo, aos 59 anos, quando se julgava que teria ainda muitos anos de carreira pela frente. «É uma morte prematura», afirmou o porta-voz do CNA, Pule Mabe. «Ainda tinha um papel a desempenhar na transformação da nossa sociedade e um papel ainda maior a desempenhar no Congresso Nacional Africano». J