António Bagão Félix
‘É fundamental monitorizar, fiscalizar e auditar os programas’
Para Bagão Félix não há dúvidas. Portugal vai receber uma verba «muito considerável» dos fundos europeus e lembra que este total representa quase 25% do PIB de 2019. «E, se quanto à quantidade a ementa é boa, o desafio e o risco não estão na quantidade, mas no modo como tantos recursos irão ser aproveitados no país. Recorrendo à metáfora dos ‘almoços grátis’, é preciso cuidar dos talheres e do modo como se usam e combinam» , refere. No entanto, admite que o tempo para aproveitar estas verbas é mais escasso, pelo que o esforço de qualidade, inovação, eficiência e eficácia dos programas e medidas é determinante. «E, se olharmos retrospetivamente, sabemos como se desperdiçaram oportunidades ou se enviesaram medidas e financiamentos que se revelaram egoisticamente improdutivos para Portugal», acrescenta. Ainda assim, lembra que foi um importante compromisso para criar condições para ultrapassar esta crise. «Sem dúvida, difícil, mas com um resultado encorajador. Pela primeira vez, há um salto qualitativo no que se refere ao financiamento das ações para o relançamento da economia e para superação de problemas sociais», salienta o economista.
E dá como exemplo a emissão de dívida europeia que, no seu entender, confere-lhe um certo grau de mutualização solidária, igualando custos que seriam diferentes e piores para os países com mais saldo de dívida, como é o caso do português. «Quebrou-se assim um tabu, que até agora era talvez a maior clivagem entre os países mais ricos e os mais pobres», afirma.
Mas nem tudo são facilidades. Bagão Félix chama ainda a atenção para a necessidade de monitorizar de forma rigorosa essa verba que Portugal vai receber. «No nosso país, é fundamental criar condições céleres e expeditas de monitorizar, fiscalizar e auditar os programas e ações, não só por uma questão de equidade, como de aumento do aproveitamento e eficácia do dinheiro afeto a Portugal». Uma tarefa que reconhece que poderá ser mais complicada com o fim dos debates quinzenais. «A aprovação pelo Parlamento de uma alteração regimental que dispensa o primeiro-ministro de ter de responder quinzenalmente na AR, enquanto órgão político de fiscalização da ação governativa! Além de errada é por demais inoportuna nestes próximos anos, um pouco à moda da Hungria, sempre tão alvo da fúria dos partidos proponentes do bloco central», diz.
Temas ignorados
Em relação ao plano de relançamento da economia elaborado por Costa Silva, o economista defende que se trata de uma «reflexão global de grande qualidade, que proporciona uma visão, ainda que topológica, dos novos paradigmas, desafios, condicionalismos e integração de todas as variáveis económicas, sociais e comportamentais em jogo», mas lembra que há temas que foram ignorados. Um desses casos é a poupança das famílias. «A poupança continua a ser uma variável menosprezada (aqui, como na Europa), sabendo-se que sem ela não há investimento (ou há, mas com endividamento)». Também a produtividade, no seu entender, não foi focada, o que para o economista, teria merecido um capítulo estruturado e integrador.
Já a aposta nas infraestruturas – nomeadamente o TGV e o aeroporto – são aplaudidas. «Sou absolutamente a favor do reforço da componente ferroviária, por razões económicas, ambientais e de coesão territorial. Será desta que vamos ter o TGV e uma rede ferroviária de passageiros e de carga que torne o país mais homogéneo?». Em relação aeroporto, lembra que o estudo apenas indica a sua necessidade para a área Metropolitana de Lisboa, não tomando posição quanto aos prós e contras das opções conhecidas. «Andamos às costas com um novo aeroporto há 60 ou 70 anos e até agora nada se viu, a não ser estudos sobre estudos muito bem pagos. A solução que o Governo escolheu é um remendo, ou, usando um plebeísmo, nem peixe, nem carne. Não resolve o problema por muitos anos, pois é uma solução de transitoriedade, nem ataca a circunstância de termos o aeroporto principal no meio da cidade, com todas as consequências advenientes».
Também aplaudido é o foco na reindustrialização, apesar de apontar como «um bom desejo», uma vez que, entende que é difícil de se concretizar. «Numa economia global os capitais migram para ambientes fiscais, processuais e laborais mais “amigos” do investimento».
João Duque
‘Espero que o dinheiro que Portugal vá receber seja mesmo para investir’
«Espero que o dinheiro que Portugal vá receber seja mesmo para investir». É desta forma que João Duque comenta os 45,1 mil milhões de euros que o país vai receber em fundos comunitários. «Estou a pensar que este dinheiro é para investir. Se gastam em despesa corrente, estraga-se o dinheiro e vai-se tudo embora. Isso é desperdiçar o que temos. Mas acredito que o financiamento venha para o investimento e que seja aplicado de uma forma rigorosa», refere.
No entender do economista, essa verba deverá ser aplicada nos projetos mais estruturantes para que possam ajudar o país «a mudar um pouco a direção daquilo que é a sua atual estrutura», mas acredita que não vai transformar radicalmente o país. «Sinceramente, não vai transformar Portugal. Dá uma ‘ajudinha’ e tem de ser muito bem aproveitado, muito bem explorado nesse sentido».
Já em relação ao plano económico de António Costa Silva acredita que são ideias onde se pode atuar. «Dá-nos uma classificação dos valores que são necessários para implementar aquele plano na totalidade e dá-nos ideias do que é que pode ser feito nas grandes áreas». No entanto, admite que esses projetos só poderão avançar se existirem dois terços do espetro parlamentar a estarem de acordo. «Se isso acontecer temos uma base de apoio para construir nas próximas legislaturas».
João Duque defende, no entanto, que investir em ligações ferroviárias, por exemplo, com o Porto é fundamental. «Se conseguirmos fazer a viagem em comboio no espaço de 1h30, andar a 200 km/h com duas paragens, não é do outro mundo. É o suficiente para mudar ou devendo fazer-se em bitola europeia», acrescentando que só, desta forma, é possível ter uma ligação rápida a outros países europeus. Caso contrário, Portugal «fica fechado, confinado», lembrando que a maioria dos europeus já estão ligados em bitola europeia e os espanhóis estão a construí-la. «Se não o fizermos ficamos de fora e aí vamos ficar terrivelmente periféricos com uma agravante porque a União Europeia vai depois carregar nos impostos sobre o transporte de mercadorias rodoviárias e mesmo as ferroviárias, o que acarreta custos para Portugal». E esses custos são simples: aumentam o custo das exportações, o país torna-se menos competitivos e aumenta o custo das importações «carregando sobre nós um peso que vamos pagar duplamente».
E para que não haja falhas na gestão da verba que Portugal vai receber, defende a criação de um observatório ou de uma agência para que faça esse controlo de forma transparente e independente na aplicação dos recursos. «Não se pode estar a pedir 15 mil milhões de euros e a agradecer a chegada desse dinheiro e, por outro lado, aplicar 1.200 milhões que é quase 10% disto na tomada de posição de uma empresa que está falida em cima de contas que são zero e em que não há justificação económica nenhuma para que tenha sido tomada essa decisão», acrescentando que «se começam a gastar o dinheiro dessa maneira, mais vale não vir». E deixa um alerta: «Tenho muito receio que se use mal o dinheiro. Temos uma sobrecarga de dívida louca por causa do que fizemos e também sem justificações».
Crescimento dependente das medidas
Quanto à perspetiva do PIB atingir os 12%, João Duque acredita que tudo dependerá das medidas de mitigação que o Governo implemente. «Se o Governo não fizer nada, o PIB cai estrondosamente. O Governo, supostamente, devia estar a implementar uma série de medidas mitigadoras que deviam dar efeito. Se não está então aí cai e não é 12%, é bem mais. É preciso injetar dinheiro nas áreas que mais podem estimular o consumo, por exemplo», refere.
E o economista dá, como exemplo, a medida que os ingleses criaram para financiar diretamente a compra de refeições em restaurantes. «É uma medida interessante. Coloca na mão das pessoas um poder de escolha e depois dinamiza diretamente um setor com muito emprego e que depois tem um efeito de gerar rendimento alargado. Aqui podia fazer-se a mesma coisa. Podia dizer-se que se comparticipava estadias em hotéis até X euros. É uma oportunidade única. Vou para um hotel de 100 euros e pago 50, deixando nas mãos das pessoas a escolha do que querem».
Luís Mira Amaral
‘O plano de Costa Silva parte de um diagnóstico deficiente e errado’
Mira Amaral garante que o acordo alcançado foi perfeitamente razoável e dentro do consenso possível dos 27 Estados Membros, apesar de algumas alterações que foram feitas principalmente na verba a fundo perdido. «Obviamente que um país altamente endividado como Portugal gostaria que viesse mais a fundo perdido e não viesse como um empréstimo porque mesmo que as taxas de juro sejam muito favoráveis é sempre menos vantajoso». No entanto, lembra que o nosso país vai ter em pouco tempo, «um volume de verbas impressionante, como nunca tivemos até agora na economia portuguesa». E lembra que, em quatro quadros comunitários de apoio, recebemos cerca de 95 mil milhões de euros e agora só num quadro comunitário de apoio temos uma verba que ronda os 56 mil milhões de euros.
O economista reconhece que os portugueses não gostaram de ouvir as declarações do primeiro-ministro holandês que alertava para a necessidade de saber como é que dinheiro será aplicado, mas chama a atenção para o facto de não ser uma condicionalidade do sentido da troika, mas uma preocupação com a boa lógica de aplicação de fundos. «O que tem acontecido em Portugal desde 1995 com os governos socialistas é que o país não cresce apesar da tremenda injeção de fundos comunitários na economia portuguesa e isso mostra que os receios são perfeitamente fundados e até tenho os maiores receios da aplicação deste dinheiro»
E vai mais longe: «Como diz o povo ‘o dinheiro não é tudo na vida’. Se não houver um enquadramento político-social e económico-financeiro correto, os dinheiros não são bem aplicados e o país não avança. O nosso país anda desde 1995 a não crescer não é por uma maldição divina, mas porque temos lapidado os recursos dos apoios comunitários. Receio que venha acontecer mais do mesmo».
Plano ‘é mais do mesmo’
Em relação ao programa de Costa Silva não hesita: «É mais do mesmo», e «parte de um diagnóstico deficiente e errado». «Deficiente porque não fala na estagnação dos últimos 20 anos e errado por supor que os problemas estruturais se devem a um modelo ultraliberal. Esse modelo nunca vigorou em Portugal, antes pelo contrário, o que que sempre vigorou foi uma intervenção obsessiva e expressiva do Estado na economia portuguesa com péssimas políticas públicas que conduziram à má afetação de recursos que não fizeram a economia crescer».
Mira Amaral aponta ainda o dedo ao paraministro, dizendo que se propõe «a mexer sobre tudo», mas depois não tem objetivos nem instrumentos. «Propõe ser ultra-ambicioso em termos de reforço do Estado na economia portuguesa, mas não tem consciência da essência do Estado quer ao nível estratégico, quer do pessoal qualificado para concretizar com qualidade esse intervencionismo. Propõe o reforço quase obsessivo do Estado mas não identifica as suas fraquezas».
E as críticas não ficam por aqui. «Esquece-se da capacidade empresarial e dos recursos humanos que são questões fundamentais para termos uma economia desenvolvida. Assim como há uma desvalorização do investimento direto estrangeiro, o que é chocante. Não tem consciência das condições em que a economia portuguesa opera em termos de elevado endividamento. Pensa que é fácil financiar tudo». E dá como exemplo, as apostas que foram apresentadas no programa. «Quer TGV, hidrogénio, aeroportos, novos hospitais. No fundo o plano é quase uma lista dos investimentos públicos que quer fazer sem ter consciência das melomanias que alguns representam».
Para Mira Amaral investir num TGV Lisboa-Porto não faz sentido nenhum e defende a criação de uma linha ferroviária decente, utilizando o atual material circulante. «Não preciso de um TGV que representa gastar mais uns milhões sem necessidade para poupar uns minutos na ligação Lisboa-Porto. Preciso é de uma linha decente. Veja a maneira vaga, não objetiva como ele trata os assuntos», salienta. O mesmo ‘erro’ repete-se com o novo aeroporto. «O trafego aéreo caiu drasticamente, não se sabe quando a pandemia acaba, neste momento ir para um novo grande aeroporto não faz sentido nenhum». E vai mais longe: «Já percebemos que o país não se pode reger só por aquilo que é bom para o setor da construção. Já aconteceu em 2011, espero que tenhamos aprendido a lição. O senhor não aprendeu de todo. Se o Governo aprendeu iremos ver».
Filipe Garcia
‘Não é suposto que o dinheiro seja gasto em salários e benefícios’
Filipe Garcia garante que a inexistência de um acordo seria muito negativo para Portugal – que não teria acesso aos fundos – e ainda mais para o projeto europeu, que ficaria mais ameaçado. «São boas notícias para Portugal por essas duas vias. Há ainda uma tentativa de criação de regras de acesso aos fundos, o que é de salutar para que não se criem posteriormente divisões ainda mais profundas no seio da União Europeia».
O economista diz ainda que pela sua aproximação ‘federalizante’ de emissão de dívida em comum sinaliza alinhamento entre os países da União Europeia. «O risco para o país teria a tendência de subir perante o adensar das tensões entre os membros da União Europeia. O cenário é o oposto, pelo que se espera a manutenção de ‘spreads’ baixos. Claro que o país terá de continuar a ser percecionado como ‘cumpridor’ e apontar para a consolidação orçamental no futuro, mas essa pressão não existe no imediato».
Já em relação às verbas para Portugal considera que «são muito significativas» e foram em linha com que falava nos últimos dias, embora se tenha de ter em conta que há uma parte substancial que poderá chegar sobre a forma de financiamento e acerca da qual haverá discricionariedade (Portugal pode decidir financiar-se ou não). «Provavelmente a tentação será grande porque as taxas de juro serão atrativas».
Em relação às verbas atribuídas a Portugal, o economista acredita «as verbas são significativas a ponto de poderem alterar bastante o país, mas atenção que o dinheiro não entra todo agora nem é suposto que seja gasto em salários e benefícios» e em relação à ‘bazuca’ de António Costa diz que «espera que não seja um elemento de destruição da economia».
Filipe Garcia diz ainda que esta verba pode ser vista como uma oportunidade de renovação do país em muitas áreas, no entanto, questiona se vamos ter essa capacidade e vontade política. «Os primeiros sinais dizem-nos que não. Os montantes são de tal forma altos que haverá dificuldades de execução, pelo que me parece que o tema que será privilegiado será o das infraestruturas e, ferrovia à parte, não estou certo que seja a nossa maior necessidade».
O responsável defende que «as prioridades são de dar competitividade e liberdade aos agentes económicos», acrescentando que «deveria aproveitar-se a oportunidade para ter um Estado menos omnipresente na economia, agindo apenas como um regulador firme e eficaz». No entanto, admite que «é improvável que esse seja o caminho escolhido. Acredito que as vertentes de investimento que estariam previstas para os OE convencionais passem a ser financiadas por estes novos programas e, em vez de se aproveitar esse facto para baixar impostos, o remanescente será provavelmente utilizado em gastos correntes».
Quanto ao controlo em relação à aplicação de verbas, acredita que «haverá diretrizes europeias, mas o controlo será provavelmente feito a nível nacional».
Apostas de Costa Silva postas em causa
Em relação às apostas do programa de Costa Silva que assenta no investimento em infraestruturas, nomeadamente TGV e no novo aeroporto, Filipe Garcia diz que «não está certo que sejam as mais prioritárias», acrescentando que «há que modernizar a ferrovia, mas não é preciso um TGV».
Já em relação ao tema do aeroporto, o economista lembra que tem sido muito discutido, e que tem havido «pouca unanimidade quanto à sua necessidade e eventual localização e nem sequer sabemos qual será o novo normal do transporte aéreo». «Parecem ser simplesmente as formas mais fáceis de executar as verbas que vão chegar a Portugal. Penso que este tema dos fundos provenientes da União Europeia mostraram de forma inequívoca que os partidos não têm uma visão estratégia para o país e que se tem andado a gerir o momento em vez de construir estratégias de fundo».
O economista diz também que a prioridade deveria ser reduzir as várias dependências de Portugal, nomeadamente a nível financeiro. «Tornar o país mais simples, mais leve em termos institucionais, menos burocrático, com uma Justiça mais célere, descentralizar as decisões e haver, na generalidade, mais transparência e liberdade».
Quanto à aposta na reindustrialização, Filipe Garcia acredita que «numa economia aberta e democrática, não se faz reindustrialização por decreto. Pode dar-se condições para que haja projetos industriais e isso é de iniciativa governamental. Parece-me ser um caminho interessante tendo em conta a necessidade de que Portugal tenha atividade de maior valor acrescentado e vimos que o turismo num mês pode esfumar-se. Esperemos que não seja um plano para fazer apenas o bailout de empresas em dificuldades, mas sim dar condições de fixação e desenvolvimento a projetos viáveis».
Em relação à queda do PIB para 12%, o economista lembra que «não sabemos se vamos ter novo confinamento». E dá como exemplo o que está a acontecer na Austrália, Espanha e Itália. «Se tivermos novo confinamento, os 12% podem perfeitamente materializar-se».
Nuno Teles
‘Valores anunciados são muito insuficientes para fazer face à crise’
Para Nuno Teles não há dúvidas: «Este acordo traz novidades reais, como a criação do Fundo Recuperação Europeu face às respostas com a crise de 2008-09, onde cada Estado foi deixado sozinho no combate à crise», mas lembra que os valores anunciados são muito insuficientes para fazer frente à dimensão dos ‘estragos’. «Num ano em que os défices orçamentais europeus devem andar próximos dos 10% do PIB, este fundo andará em torno de 5% do PIB europeu a ser gasto ao longo dos próximos três anos. Pode dar um contributo à estabilização das economias, mas é insuficiente para o relançamento da economia e para corrigir a atual divergência europeia, onde os Estados mais ricos anunciam planos de recuperação muito mais ambiciosos do que os da periferia».
E os problemas não ficam por aqui. De acordo com o economista, a este fator acresce a diminuição dos fundos acordados para os próximos orçamentos europeus e o aumento do controlo político sobre os Estados recipientes. «Dada a experiência recente, é expectável que tenhamos condicionalidade dirigida à legislação laboral, acabando com o que resta da negociação coletiva e reformas no sentido da privatização da Segurança Social».
Já em relação às verbas destinadas a Portugal, além de considerar insuficientes no quadro orçamental de crise, acredita que «Portugal não tenha saído muito beneficiado desta negociação». E vai mais longe: «Um país com uma economia comparável com a nossa, como a Grécia, receberá em torno de 23 mil milhões de euros contra os 16 mil milhões do nosso país», acrescentando que os grandes beneficiados vão ser Espanha e Itália. «É certo que estes foram países mais atingidos pela pandemia, mas é muito discutível que os efeitos na economia sejam mais graves que os nossos, basta pensar no impacto no turismo».
Quanto à execução dos fundos, Nuno Teles lembra que não podem ser usados para financiar despesa corrente – como pagar a mais médicos e enfermeiros – e terão de ser co-financiados pelo Estado português (com níveis de investimento público historicamente muito baixos) num prazo relativamente curto de tempo, com as necessidades financeiras do Estado português e, sobretudo, de uma economia que viverá com desemprego muito alto durante muito tempo. E sob um controlo que deverá ser o democrático e nacional. «Qualquer plano de recuperação da economia deve envolver os mais diversos agentes – sindicatos, associações empresariais, universidades, etc. – e ser sujeito ao escrutínio público e político».
Plano segue linha do Governo
Em relação ao programa de relançamento da economia, o economista considera que o documento é «ultra-ambicioso – elenca todas as (reais e imaginárias) tecnologias que estão em voga –, mas ao mesmo tempo, parece apostado na simples infraestruturação do país, seguindo aquilo que já era a linha do Governo» e lembra que não menciona a gestão macroeconómica e está focado na «economia oferta, sem pensar nas condições de construção de capacidades produtivas nacionais já que assume um quadro de concorrência internacional onde os mercados livres servem de mecanismo regulador. Receio ser um plano que, à semelhança de tantos outros no passado, será rapidamente votado ao esquecimento».
E aponta falhas ao plano, além da falta de referência ao quadro de gestão macroeconómica, orçamental e monetário. «Assume-se o que nos tem guiado até aqui, ou seja, uma constante pressão europeia no que toca às decisões de despesa pública, tentando limitá-la ao mínimo. Assim, não há forma de financiar qualquer plano, por mais coerente que fosse. Ademais, nota-se a ausência do trabalho, sua regulação e valorização, factor essencial para qualquer recuperação, apostando-se na ideia ingénua que depois de termos uma economia eventualmente reindustrializada os salários reflectirão os ganhos de produtividade».
A aposta nas infraestruturas e na reindustrialização também coloca dúvidas ao economista. «Essa avaliação tem de ser feita envolvendo diferentes agentes nacionais e mobilizando as competências públicas de desenho e avaliação do investimento. Não é de todo uma tarefa individual de ‘achismo’», acrescentando que «basta relembrar que no auge da anterior crise, em 2012, tivemos exatamente o mesmo e os resultados são os conhecidos».
Já em relação à meta do PIB em atingir os 12%, Nuno Teles garante que é impossível de prever. «Diz a piada que os economistas foram criados para dar respeitabilidade aos videntes. O que parece ser muito provável é que esta crise não será ultrapassada rapidamente. Desemprego, consumo em queda, falências e um sistema bancário ainda a recuperar da anterior crise, colocam enormes desafios ao papel do Estado na retoma económica. Infelizmente, não vemos nem internamente, nem no plano europeu, vontade política para uma verdadeira ação no sentido da retoma».
Eugénio Rosa
‘A realidade é muito diferente daquela cor de rosa que Marcelo e Costa procuram passar’
«Os próximos anos serão muito difíceis». A garantia é dada por Eugénio Rosa ao considerar que o termo ‘bazuca’ «não tem qualquer suporte real». E justifica: «dos 750 mil milhões euros do chamado ‘Plano de recuperação económica europeu (Nova Geração UE)’, 360 mil milhões euros são empréstimos que têm de ser pagos, e embora nas ‘conclusões’ da reunião extraordinário do Conselho Europeu não conste a repartição por país, o Governo veio dizer que caberá a Portugal apenas 15,2 mil milhões a fundos perdidos e 10,8 milhões de euros de empréstimos (se utilizar o país ficará mais endividado), o que corresponde somente a 3,46% daquele total», alerta.
O economista lembra ainda que os compromissos terão de ser assumidos até 31 de dezembro de 2023 e os pagamentos poderão ir ao final de 2026, no entanto, o Governo terá de apresentar projetos até outubro deste ano. «Embora seja um valor elevado, demorará muito tempo a chegar a Portugal. E a profunda crise em que o país e os portugueses enfrentam, causada pelo coronavírus e agravada pela extrema fragilidade do país, não espera e a tendência não é de uma rápida melhoria; muito pelo contrário. O próprio Costa Silva prevê uma quebra no PIB de 12%, o dobro da prevista pelo Governo, que deverá estar muito mais próxima da realidade».
Para Eugénio Rosa não há margem para dúvidas: «Não há almoços grátis», acrescentando que «aquele dinheiro da União Europeia vem associado a condições e controlos apertados, embora o Governo diga o contrário. Todos os projetos têm que ser previamente aprovados pela Comissão Europeia», e Portugal não pode utilizar os 26 mil milhões de euros de acordo com os seus objetivos de desenvolvimento nacional mas têm de estar sujeitos aos «ditames» da Comissão Europeia.
E os alertas não ficam por aqui. «O apoio da União Europeia está associado às chamadas ‘reformas estruturais’, e quando se perguntou ao primeiro-ministro holandês o que entendia por reformas estruturais ele respondeu que eram reformas no mercado de trabalho – maior liberalização dos despedimentos –, na Segurança Social – redução de pensões – e outras. Estas receitas já conhecemos no passado com os efeitos económicos e sociais desastrosos».
O economista chama ainda a atenção para o facto de no acordo europeu ter sido introduzido pelos países do norte da Europa uma ‘norma travão’ que permite a qualquer país, se considerar que algum não está a cumprir o que foi aprovado pelo Conselho Europeu, pedir a suspensão dos pagamentos para que sejam reavaliados pelo Conselho Europeu. «Se juntarmos a tudo isto a incapacidade que o nosso país tem revelado para utilizar atempadamente os fundos comunitários – no primeiro trimestre de 2020, último ano do Portugal 2020, o nosso país tinha utilizado apenas 48% dos fundos comunitários programados até a essa data, estando por utilizar 12.739 milhões de euros – e a desorganização que tem causado à economia e à administração pública a pandemia provocada pela covid-19 é fácil concluir que a realidade será muito diferente daquela cor de rosa que Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa procuraram fazer passar junto dos portugueses».
Programa ‘é um conto de fadas’
Quanto ao programa de lançamento económico apresentado por António Costa Silva, Eugénio Rosa garante «que faz lembrar, a quem a leia ou ouça o seu autor, um ‘conto de fadas’ tal ela se afasta do país real, face às dificuldades que os portugueses enfrentam atualmente». Ainda assim, o economista admite que há declarações com que concorda.
Um desses exemplos, são as infraestruturas necessárias para o país, apesar de incluir «o elefante branco do TGV Lisboa-Porto de José Sócrates». Já em relação à reindustrialização acredita que não será possível nos setores que indica. E critica também a ideia de reconversão industrial, uma vez que não indica os setores alvo e fala «do combate à pobreza, mas não diz que esse combate poderá ser possível aumentando os salários e as pensões». Quanto ao fortalecimento do setor de saúde, Eugénio Rosa acredita que só será possível com a suborçamentação crónica. «Costa Silva é incapaz de dizer como e com que meios poderá ser isso feito. O seu afastamento da realidade e das capacidades do país, e dos problemas que enfrenta atualmente é tão grande que se é levado a pensar que está a falar de outro país que não o nosso».
Além disso, o economista afirma que o plano contém ideias que, a concretizar, seriam «perigosas» para o país e estão em contradição com outras defendidas anteriormente no mesmo documento. «Por exemplo, Costa Silva fala em ‘ataque ao Estado’, ‘Estado mínimo’, ‘Estado como mau da fita’ mas também diz que o Estado devia ser apenas o ‘regulador’, o ‘participante na capitalização das empresas em dificuldade sérias, rentáveis e com potencial de recuperação’, o definidor de ‘critérios transparentes e claros para a injeção de capital nas empresas, portanto um Estado financiador das empresas rentáveis e com potencial de recuperação, utilizando naturalmente para isso as receitas de impostos pagos pela população. Um Estado ao serviço dos bons capitalistas em dificuldades à custa da população».