Portugal está entre os países que deverão ter perdas no setor do turismo superiores a 2% do Produto Interno Bruto (PIB) devido à pandemia. O alerta surgiu do Fundo Monetário Internacional e junta-se a outros dados económicos que não têm sido animadores para a economia nacional. O FMI teve em conta um estudo da Organização Internacional do Turismo, que "inclui um cenário envolvendo um levantamento gradual de restrições às viagens com início em setembro", que implica "receitas no turismo 73% abaixo dos níveis de 2019".
É sabido que Portugal é economicamente dependente do setor do turismo. Será esta uma consequência dessa ‘dependência’? David Silva, analista da corretora Infinox considera que não é bem assim. "Não creio que devamos olhar para esta quebra no setor do turismo por esse prisma, pois isto não é uma consequência de se ter apostado tanto neste setor, mas sim uma consequência da própria pandemia", defende. Ao SOL o analista diz ainda que, "na generalidade, todos os países em que o turismo tem maior peso na produtividade económica terão as mesmas quebras. Provavelmente, se não fosse a pandemia, estaríamos ‘agradecidos’ por o turismo continuar a ter um importante peso na economia e na criação de emprego".
Também Mário Martins, analista da ActivTrades, defende ser normal um país apostar mais num setor. "Economicamente, é conveniente um país especializar-se num setor financeiro, sendo que esta especialização tem sempre fatores positivos e negativos", diz ao SOL, acrescentando que, na sua opinião, faz todo o sentido que Portugal aposte neste setor. E justifica: "Somos um povo acolhedor, com um clima favorável e com uma forte regionalização que oferece várias alternativas de turismo".
Ainda assim, destaca aspetos negativos desta aposta. "O principal aspeto negativo de uma forte especialização é que, se houver algum elemento externo que afete o setor, tal terá efeitos devastadores na economia. A pandemia que vivemos põe em evidência a fragilidade de uma economia depender excessivamente de um setor económico. A economia portuguesa será consideravelmente impactada pela queda do turismo, o que poderá ser um catalisador para uma maior diversidade económica", salienta.
Mas será que Portugal devia apostar num outro setor de atividade? Talvez não. "Todos os países têm um foco e pretendem desenvolver os setores e atividades em que podem ser mais fortes e potenciar a sua economia. Foi o que Portugal fez (e não se deve condenar ou apontar nada a esta estratégia), pois é importante relembrar que o setor do turismo teve um contributo de 8,7% no PIB português em 2019 e gerou cerca de 336.8 mil empregos (que representa cerca de 6,9% na economia portuguesa)", diz o analista da corretora Infinox. E por isso, não se deve ‘apontar o dedo’ a este setor "porque se neste momento está a ter um peso negativo, nos últimos anos foi um dos setores responsável pelo crescimento da economia portuguesa".
E a recuperação?
Agora o importante é pensar no futuro e na recuperação – não só no setor do turismo como nos restantes que sofreram com a pandemia – é visto como imprescindível.
David Silva relembra os dados do INE que apontam que a quebra do PIB não se deve só à quebra do setor do turismo, mas também ao enfraquecimento do consumo privado, investimento e também da atividade comercial. Face a estes dados, o analista não tem dúvidas: "Naturalmente que a recuperação terá de passar pelos setores que têm maior peso na economia, pois só assim será possível recuperar a economia para os níveis pré-pandemia".
Já Mário Martins defende que "após a entrada num ciclo de crise, é particularmente difícil diversificar a economia, uma vez que a diminuição de receitas restringe a capacidade de investimento em outros setores" e, por isso, nesta altura, o país "teria que aguardar que a crise acabasse para que novas receitas geradas pudessem ser utilizadas em novas fontes de rendimento".
Portugueses ajudam na recuperação
A verdade é que o turismo vai recuperando aos poucos – ainda que em passos muito pequenos – muito com a ajuda do mercado interno. Aúltima estimativa do INE dá conta que junho terá registado 500,5 mil hóspedes e 1,1 milhões de dormidas. Mas se em maio a queda de hóspedes tinha sido de 94%, agora situa-se nos 81,7%.
Face a estes resultados, David Silva não tem dúvidas: a recuperação não será fácil nem rápida. "No entanto é importante perceber que se neste momento não temos números piores poderá dever-se às medidas aplicadas, como por exemplo as moratórias e o layoff", defende o analista da Infinox. "Neste momento temos muitos negócios e empresas que ainda estão em atividade por terem um fundo de maneio que permita aguentar pelos próximos meses, no entanto quando se tornar impossível prolongar o layoff poderemos ver os números do desemprego a aumentar, o que originará maior incapacidade para pagar os seus créditos e dívidas e, por sua vez, conduzirá a um maior nível de pobreza e incumprimento".
Já Mário Martins diz que "um dos problemas recorrentes da economia portuguesa é esperar por uma crise para encontrar novas soluções". E, como tal, defende que a solução é simples: "O melhor é deixar que o furacão passe para depois reconstruir a economia".