Não é só a liberdade de Rui Pinto que está em causa nesta nova fase da vida do hacker. E para perceber o porquê disso basta lembrar que, apesar de as buscas na Hungria de a apreensão dos seus ficheiros terem acontecido no início do ano passado, os peritos informáticos da Polícia Judiciária (PJ) só conseguiram desencriptar os dados de Rui Pinto quando este decidiu colaborar.
A saída das instalações da Polícia Judiciária, neste caso do T1 onde estava desde que assumiu um acordo de colaboração – antes estivera numa cela da prisão anexa ao edifício – aconteceu no final de sábado. O jovem estará agora num apartamento na zona da Grande Lisboa, com direito a segurança pessoal, assegurada por agentes da PSP.
As autoridades pretendem que a partir deste momento o hacker passe a ser um investigador, escreveu o CM, dando conta de que o objetivo é que o criador do Football Leaks e peça fundamental no chamado Luanda Leaks passe a trabalhar com os investigadores nos principais casos de justiça, “disponibilizando as suas perícias informáticas”.
Segundo o jornal, esse acordo poderá contemplar uma nova identidade, com salário, habitação e pagamento de outro tipo de despesas. Em troca Rui Pinto terá apenas de fornecer aos investigadores todos os dados de que estes necessitem e fazer análises e/ou perícias.
No último sábado, o pirata acusado de 90 crimes saiu das instalações da PJ, tendo passado a estar sob o programa de proteção de testemunhas, com obrigação de apresentações periódicas às autoridades.
O julgamento pelos crimes por que vem acusado começa no dia 4 de setembro, tendo esta alteração da medida de coação sido decretada pela juíza que presidirá ao coletivo que vai julgar o jovem, Margarida Alves. O pedido de libertação foi formulado pela defesa e mereceu a oposição do Ministério Público. A magistrada do Tribunal Central Criminal de Lisboa destacou, porém, na sua decisão a colaboração consistente e continuada do fundador do Football Leaks, assim como o seu “sentido crítico”.
Uma posição para a qual foi determinante a carta enviada ao processo pelo diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), Albano Morais Pinto, na qual deixou claro que o jovem tem colaborado com os investigadores – o que não significa porém que tais investigadores do MP, inferiores hierárquicos de Albano Pinto, estejam de acordo com esta alteração da medida de coação. Bem pelo contrário, como referiram na sua posição. No final de maio também Luís Neves, diretor nacional da PJ, havia dado conta de uma alteração no comportamento do hacker, numa entrevista concedida ao DN.
O T1 onde Rui Pinto estava Entre o momento em que fez o acordo de colaboração, em abril deste ano, e o último sábado, Rui Pinto esteve num T1 nas instalações do novo edifício-sede da Polícia Judiciária, em Lisboa: tinha à sua disposição um quarto, uma sala, cozinha e casa de banho. Apesar do conforto, não podia sair de casa nem aceder à internet, podendo, no entanto, e ao contrário do que acontecia na cela receber familiares e amigos, que podiam pernoitar no apartamento.
Existem dois apartamentos no edifício-sede daquela polícia com o objetivo de albergar, por exemplo, arrependidos. Recorde-se que já há vários anos que a PJ havia identificado a necessidade de existência de instalações para o efeito – os arrependidos das FP-25 foram colocados nas instalações daquela polícia na Avenida José Malhoa, em condições longe das ideais. Em 2018, aliás, o então diretor da PJ, Almeida Rodrigues, já havia revelado num congresso da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal a existência destes dois apartamentos, referindo que serviriam para arrependidos do Daesh.
Os crimes de Rui Pinto Em janeiro, o criador do Football Leaks, que vinha acusado de 147 crimes de acesso ilegítimo, violação de correspondência, sabotagem informática e tentativa de extorsão, foi pronunciado por 90 crimes.
Para a justiça, Rui Pinto tem de responder por tentativa de extorsão à Doyen e acessos à Procuradoria-Geral da República, à sociedade de advogados PLMJ, ao Sporting e à Federação Portuguesa de Futebol. Além do Football Leaks, Rui Pinto assumiu publicamente ter sido o ‘pai’ do caso que ficou conhecido como Luanda Leaks e que está na base de diversas investigações a alegados desvios cometidos pela empresária angolana Isabel dos Santos. Tanto em Portugal, como em Angola.