Por José Manuel Azevedo (Economista)
Para que fique desde já claro, só posso elogiar o magnífico trabalho que a fundação criada em 2009 por Alexandre Soares dos Santos e presidida por António Barreto desenvolve desde há quase dez anos e meio no domínio da informação estatística sobre Portugal, União Europeia e Zona Euro; agregando dados oficiais e certificados, a Pordata tornou-se num indispensável instrumento de consulta e de análise de tendências sobre uma série relevante de variáveis demográficas e socioeconómicas e e é sobre algumas delas que me pronuncio hoje, especificamente sobre a edição de 2020 do ‘Retrato de Portugal’. Acreditando que muitos outros terão já abordado este estudo, gostaria ainda assim de sobre elas apresentar o resultado de reflexão pessoal e lançar interrogações sobre o que a análise dos dados me suscita.
Envelhecimento da população. Em cerca de seis décadas, de 25 idosos por cada 100 jovens, passámos, segundo os números de 2019, para 161! Tendo este indicador que ser lido em conjunto com os dos nascimentos e dos óbitos, o que é que podemos concluir? Que, a prazo, a população ativa decrescerá substancialmente, que o financiamento da Segurança Social não estará assegurado (pelo menos nos moldes atuais) e que, a não ser que se verifique uma evolução substancial na utilização das tecnologias, e saibamos investir na agricultura e na indústria, inovando, estaremos condenados a ser uma economia de serviços, para não lhe chamar de ‘serviçais’… Nós que até sabemos receber tão bem quem nos visita, não é verdade? Ou será que é em parte a imigração, cujo número é quase 2,5 vezes o de há 12 anos, que suporta alguns dos principais serviços da atividade turística, alojamento e restauração?
Crescei e multiplicai-vos! Se, a partir de Adão e Eva, se cumpriu este incentivo, a verdade é que, no nosso caso, os dados só nos permitem concluir pelo crescimento… Com efeito, se olharmos para o índice de fecundidade da mulher (número médio de filhos), verificamos que ele se reduziu de pouco mais de 3 em 1960 para 1,42 em 2019, ou seja, para menos de metade. É claro que para este facto contribuíram positivamente o aumento da informação sobre planeamento familiar (em especial, da contraceção) e a relevância cada vez maior da carreira profissional para as mulheres; em sentido oposto, as dificuldades crescentes de conciliação da vida pessoal com a profissional e, talvez ainda mais importante, a consequência da decisão de ‘trazer um filho a este mundo’ sobre o nível de despesas a suportar no futuro.
Sucede que outros países que integram a UE (22 dos 27!) apresentam um índice de fecundidade superior ao nosso, alguns até bem superior, o que, podendo ou não ser reflexo de políticas incentivadoras do nascimento, se traduzirá, a prazo, numa perda de força de trabalho e de competitividade da economia portuguesa face aos seus parceiros comerciais. Como iremos alcançar a tão desejada convergência?
Rendimentos e poupança das famílias. Dizem os números que o rendimento médio disponível das famílias era em 2018 apenas cerca de 4% superior ao de 2008. Na realidade, este indicador foi quase sempre crescendo desde 1995 até 2010, a que se seguiram anos de decréscimo até 2015, data de entrada em funções do novo Governo, com a consequente e tão propalada ‘reposição de rendimentos’, todos sabemos a quem e a que custo. Sendo o indicador muito significativo, a verdade é que a poupança bruta dos particulares tem vindo a decrescer, cifrando-se em 2018 em apenas 6,67% do rendimento. Ou seja, em cada €100 que o particular aufere do seu trabalho, apenas cerca de €7 são poupados. O que é que isto significa, além de um custo de vida talvez demasiado elevado para o nosso rendimento médio? Que muitas famílias vivem acima das suas possibilidades, que não têm forma de suportar encargos não previstos muito menos uma perda de rendimento, como a pandemia veio demonstrar. Quantos particulares terão ‘falido’? Quantos recorreram às moratórias de crédito? Até quando e em que condições sobreviverão?
Poderia elencar aqui alguns indicadores positivos, que os há bastantes – a redução da taxa de mortalidade infantil, do risco de pobreza (veremos em 2020), da população sem nível de escolaridade ou da taxa de abandono escolar e, noutro sentido, o acréscimo do índice da qualidade de vida e do número de diplomados – em que o país de facto progrediu. E, no entanto, de que é que isso nos serviu? Algum português vivo chegará a ver o dia em que não precisemos de andar ‘de mão estendida’?