A poucas horas do voo Newark (Nova Jersey)-Porto de ontem, Gonçalo Maia ainda não sabia se poderia embarcar. O analista de dados, que vive há 15 anos nos EUA, fizera o teste na terça-feira para respeitar as regras da TAP (obrigatoriedade de um resultado negativo relativo às 72 horas anteriores para poder embarcar), mas o laboratório não lhe conseguia garantir que o resultado chegaria a tempo de apanhar o comboio entre Baltimore (Maryland) e o aeroporto de Newark. Tem sido assim com muitos portugueses que querem embarcar para Portugal a partir dos EUA e do Brasil desde 1 de agosto, altura em que entrou em vigor o despacho n.º 7595-A/2020, de 31 de julho, que define as medidas aplicáveis ao tráfego aéreo com destino e a partir de Portugal e que produz efeitos até ao final deste sábado.
A interpretação do texto do despacho tem sido questionada, até porque, por um lado, deixa claro que é permitido que o teste seja feito pelos passageiros à chegada a Portugal, mas, por outro, determina também que as companhias incorrem numa contraordenação se tal acontecer. Tal como o jornal i avançou na sexta-feira, entre as diferentes autoridades nacionais, tem havido diversos entendimentos no que diz respeito a este despacho, tendo a companhia aérea portuguesa optado por uma interpretação mais defensiva.
Questionado na quinta-feira pelo SOL, o Governo, através do gabinete da secretária de Estado das Comunidades Portuguesas, Berta Nunes, fez saber que está atento a toda esta problemática, inclusivamente nos países onde se têm sentido maiores queixas: «O Governo está a acompanhar atentamente a situação, que também tem merecido acompanhamento no terreno pela nossa rede diplomática e consular».
O gabinete de Berta Nunes salientou ainda a necessidade de acautelar questões de saúde e ainda de garantir a entrada de portugueses em Portugal: «[O Governo] mantém o compromisso com um equilíbrio entre estabelecer medidas necessárias no âmbito da atual situação de saúde pública e garantir a entrada em território nacional de cidadãos portugueses e de cidadãos com residência legal em Portugal, como prevê o Despacho n.º 7595-A/2020, de 31 de julho».
Portugueses queixam-se
As queixas de Gonçalo, que está desde março em teletrabalho e queria voltar para Portugal, para poder estar junto da família nos próximos meses, não são únicas. Nas redes sociais e em alguns fóruns é possível ler diversas mensagens de portugueses indignados com a proibição de embarque sem um resultado negativo. Alguns consideram mesmo que tal não respeita as regras que foram definidas pelo Executivo. «A nenhum cidadão português deve ser negada a entrada no seu território. É um direito constitucional que temos», refere um deles. Outro lembra como as companhias de bandeira de outros países europeus têm tratado os seus nacionais: «Não podem impedir que portugueses regressem ao país. Não somos estrangeiros e nem de segunda. Temos mais [deveres] do que um francês ou um holandês que não fazem testes».
Nos últimos dias têm sido, aliás, vários os passageiros portugueses que veem nesta posição da companhia uma interpretação contrária ao sentido do despacho, apresentando queixa. É que, além dos transtornos logísticos, perdem o valor do bilhete quando são barrados (no caso de Gonçalo Maia custou 460 dólares).
E basta uma breve consulta ao site da TAP para verificar que a companhia tem, de facto, exigido um resultado negativo, fazendo depender disso os embarques. Numa das explicações que aparece na página de internet da companhia é mesmo referido o seguinte exemplo: «Nacional português/residente em Portugal a viajar Nova Iorque – Lisboa: tem de apresentar teste para embarcar».
O que diz o despacho
«Os cidadãos nacionais e cidadãos estrangeiros com residência legal em território nacional e seus familiares, bem como o pessoal diplomático colocado em Portugal que, […] excecionalmente, não sejam portadores de comprovativo de realização de teste laboratorial para despiste da infeção por SARS-CoV-2, com resultado negativo, nos termos do número anterior, à chegada a território nacional, são encaminhados, pelas autoridades competentes, para a realização do referido teste a expensas próprias, em local próprio no interior do aeroporto em serviço disponibilizado pela ANA – Aeroportos de Portugal, S. A., através de profissionais de saúde habilitados para o efeito, podendo este serviço ser subcontratado», começa por referir o despacho emitido pelos gabinetes do ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, dos ministros da Defesa Nacional e da Administração Interna, da ministra da Saúde e do ministro das Infraestruturas e da Habitação.
Mas não é isso que está a acontecer. As exceções não existem e os portugueses são simplesmente barrados se não levarem o teste.
O que tem feito a TAP
Ao SOL, a companhia aérea admite mesmo que tem sido esse o seu entendimento: «Todos os passageiros, incluindo os cidadãos nacionais e estrangeiros com residência legal em território nacional e seus familiares, bem como pessoal diplomático colocado em Portugal que viagem a partir de países que não integrem a União Europeia ou não sejam associados ao espaço Schengen, têm obrigação […] de apresentar, antes do embarque, comprovativo de realização de teste laboratorial (RT-PCR) para rastreio da infeção por SARS-CoV-2, com resultado negativo, realizado nas 72 horas anteriores ao momento do embarque, sem o qual não poderão embarcar».
A TAP defende ainda que, apesar de o despacho referir a hipótese de ser realizado teste à chegada, tal pode significar uma infração por parte da companhia: «A transgressão [da verificação da validade do teste no embarque] e consequente permissão de embarque representa um incumprimento por parte das companhias aéreas e faz com que sejam objeto de contraordenação, sancionada com coimas até 2000 euros, por cada passageiro».
De acordo com a interpretação que a companhia faz do despacho, só os portugueses que estejam nos países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP) poderão embarcar sem teste e sem que a companhia corra o risco de ter de vir a responder por tal. «A companhia aérea portuguesa está, desde a primeira hora, a trabalhar estreitamente com as autoridades responsáveis, em particular com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, atuando em linha com as orientações estabelecidas pelo Governo Português», refere fonte da TAP, acrescentando que a empresa «cumpre todas as normais legais e regulamentares em vigor e zela pelo cumprimento das mesmas por parte dos seus passageiros».
Para tal, sabe o SOL, a TAP baseia-se no ponto do despacho em que é referido que «as companhias aéreas que permitam o embarque de cidadãos nacionais ou estrangeiros, sem o teste referido no n.º 6, incorrem em incumprimento». Situação, porém, acautelada para os embarques nos PALOP: «É excecionada a aplicação das coimas […] no embarque de cidadãos nacionais e de cidadãos estrangeiros com residência legal em território nacional sem o teste referido no n.º 6 nos voos com origem em países africanos de língua oficial portuguesa e nos voos de apoio ao regresso dos cidadãos nacionais ou titulares de autorização de residência em Portugal ou de natureza humanitária».
No caso do Brasil, para ultrapassar algumas das dificuldades identificadas, a TAP fez uma parceria com os laboratórios Fleury, em São Paulo, e Clínica Felippe Mattoso, no Rio de Janeiro, oferecendo ainda um desconto especial de 25%.