Sempre senti um certo rebuço em falar disto, em falar dos lares de idosos.
Porquê? Porque são a última defesa, o derradeiro refúgio, tantas vezes a fronteira da vida.
Sem a sua existência, com as dificuldades ou o desinteresse das famílias, o abandono seria o destino de muitos.
É certo que há distinções a fazer entre o que é um exercício de solidariedade social e o que é um negócio pouco escrupuloso. Entre instituições que criam bem estar e locais que servem de armazéns.
Por isso a Segurança Social se afadiga a detetar o abuso, o clandestino, o indignificante.
E por várias razões a Saúde deveria acompanhar melhor o que é da sua especial competência.
No auge da pandemia, poucos países se deram conta da especial vulnerabilidade dos lares.
Até que o sucedido em Espanha, em Itália, em França ofereceu a imagem do horror.
Quando a pandemia invadiu aquele universo os mais débeis ou não resistiram logo ou não suportariam sequer a entubação.
Foi um alerta geral.
Portanto, o único recurso seria impedir a entrada do vírus ou a sua multiplicação.
Nenhum lar de idosos disporia de recursos médicos suficientes e o esforço geral das instituições foi extraordinário.
Mas o país é desigual em tudo e muito particularmente em meios de resposta, em capacidade, em soluções.
Só com um esforço preventivo programado à distância, as vertentes indispensáveis do apoio do Estado poderiam evitar males maiores.
Ao longo do tempo, aconteceu o que aconteceu. Para a nossa dimensão foi muito? Foi pouco? Foi suficientemente doloroso.
Todos compreendemos a emoção de um secretário de Estado quando, num dia, não foi obrigado a anunciar mortes. Foi uma reação humana nobilitante.
Com uma ministra, na qual o primeiro dos ministros confia, não aconteceu assim.
Perante uma hecatombe localizada, defendeu-se com o desconhecimento.
Soube, mas não leu.
Avaliou, mas não achou demais.
Relativizou o impossível.
Foi seca e dura na entrevista.
Natural foi, como natural tinha sido a compreensão para com o Secretário de Estado, a condenação global, o choque, a indignação.
Deve, por isto, pedir-se a demissão da dita ministra? Não.
Devia pedir-se a sua demissão, logo no início da atribuição dos apoios do Estado, quando as coisas correram mal? Também não.
A ministra tem o direito de ser assim, de errar, de não compreender as situações, de fazer continuar a tocar a orquestra quando o Titanic afunda.
E o primeiro dos ministros tem também o direito de continuar a rodear-se de quem quer.
Continua aquele singular caminho de deixar as coisas esfriarem, de fazer esquecer, de negar a incomodidade. Até que um dia a ministra seca não possa durar mais.
Hoje, hoje mesmo, não sei quanto tempo depois do atraso, a força das circunstâncias faz anunciar uma iniciativa de fôlego para mudar o curso dos acontecimentos e evitar o pior.
Hoje, hoje mesmo, as entidades sociais são elogiadas, prometem-se apoios, reconhece-se a necessidade absoluta de pessoal, confessa-se a a menor vocação do Estado.
Não chega. O que está em falta é atuar onde só este pode ajudar, em tempo.
Esperemos, pois, vida nova para os perigos que se avizinham.
De resto, de boas intenções e melhores ministras está o inferno cheio.