Herói que inspirou o filme Hotel Ruanda detido por terrorismo

Paul Rusesabagina, que salvou centenas de vidas durante o genocídio do Ruanda, hoje é um conhecido opositor do Presidente Paul Kagame. Foi acusado de “fogo posto, rapto e homicídio”.

Talvez já tenha ouvido falar de Paul Rusesabagina, filho de pai hutu e mãe tutsi, que salvou a vida de centenas de ruandeses durante o genocídio do Ruanda, em 1994, dando-lhes abrigo no Hotel Milles Collines, que geria. A sua história de heroísmo, imortalizada no grande ecrã pelo filme Hotel Ruanda (2004) sofreu uma reviravolta esta segunda-feira. Aos 66 anos, Rusesabagina, que vivia há anos no exílio, está sob custódia policial em Kigali, acusado de “fundar, liderar e patrocinar grupos violentos, armados e terroristas”.

“Foi alvo de um mandato internacional de captura, para responder a uma série de acusações de crimes graves, incluindo terrorismo, fogo posto, rapto e homicídio, perpetrado contra civis ruandeses”, tweetou o Gabinete de Investigação do Ruanda, após exibir o prisioneiro, algemado e de máscara, numa conferência de imprensa.

Para os apoiantes de Rusesabagina, as acusações não são grande surpresa. Há muito que é um dos nomes mais conhecidos da oposição ao autoritário Presidente do Ruanda, Paul Kagame, reeleito em 2017 com uns inacreditáveis 99% dos votos, cujos críticos têm tendência para acabar presos, assassinados ou desaparecidos.

No caso de Rusesabagina, a acusação é que terá ligações à Frente Nacional de Libertação (FNL), um grupo rebelde ativo na fronteira entre o Ruanda e a República Democrática do Congo, acusado de ser formado por antigos génocidaires – nome dado aos militares hutus que orquestraram o genocídio de 1994.

Um dos porta-vozes da FNL, Callixte Nsabimana, confessou-se culpado de 17 atos de terrorismo, em julho, perante a justiça do Ruanda, acrescentando que o grupo recebera uns 150 mil dólares vindos do Zâmbia, por intermédio da amizade entre o Presidente Edgar Lungu e Rusesabagina, avançou a BBC Kinyarwanda, a língua oficial do Ruanda. Já a FNL, num comunicado citado pelo Rwandan, acusou a confissão de Nsabimana de ser extraída sob tortura.

Também o antigo vice-gerente do Hotel Milles Collines sempre negou as acusações, que já surgem há alguns anos. “Não estive calado no hotel, em 1994. Agora também não vou estar calado. Eu chamo as violações de direitos humanos do atual Governo pelo seu nome. Esse é o meu crime”, garantiu Rusesabagina, numa entrevista com investigadores da Universidade Católica de Louvain, em 2014. 

 

Fantasmas Mais de 25 anos depois de 800 mil pessoas, sobretudo tutsis ou hutus moderados, serem assassinadas em 100 dias, com golpes de machetes, tiros e pancadas, a memória do genocídio continua a assombrar a política ruandesa.

Na altura, Kagame liderava a Frente Patriótica Ruandesa (FPR), um grupo de rebeldes tutsis. Para alguns, foi o grande responsável pelo fim do genocídio, ao derrotar o Governo extremista hutu; para outros, foi um oportunista cujas forças conduziram massacres e abusos paralelos ao genocídio. Uns salientam os êxitos de Kagame, que controlou o país desde então, a sua defesa dos direitos das mulheres, a aposta nas novas tecnologias e promoção de legislação ambiental; outros lembram o clima de medo que se vive no país.

“O espaço político no Ruanda está fechado”, lamentou Victoire Ingabire, líder de um pequeno partido não registado, o Frente Democráticas Unidas, o ano passado. Acabara de sair da prisão após cumprir oito anos de pena, acusada de negação do genocídio e ligação a outro grupo rebelde hutu, as Forças Democráticas para Libertação do Ruanda (FDLR, em francês). 

“Claro que temo pela minha vida. Sei que eles podem matar-me a qualquer momento”, disse Ingabire à DW. Afinal, só nesse mês, fora assassinado Syldio Dusabumuremyi, coordenador nacional do seu partido, e outro dirigente estava desaparecido