por Francisco Rocha Gonçalves
Vice-Presidente da Câmara Municipal de Oeiras
Há algumas semanas recebi um excerto de uma entrevista dada por Francisco Sá Carneiro, ainda antes da fundação do seu partido, particularmente interessante nos tempos que correm. “A linha do partido que nós queremos fundar, em Portugal, o Partido Popular Democrático, é uma linha de social-democracia, muito próxima, segundo se vê do programa que já apresentámos, do Programa de Bad Godesberg, de 1959. Não tenho dúvida nenhuma que o nosso partido se aproxima muito do SPD alemão. (…) Admito que surja em Portugal (um partido conservador, próximo da CDU, alemão) e pode haver até alguma certa vantagem nisso, desde que seja evidentemente um partido democrático, embora conservador. (…) Um partido conservador não tem muitas hipóteses em Portugal, porque o nosso atraso é tal que a política a fazer é muito progressiva e muito progressista. Parece-me que a linha da social-democracia pode concitar todo um amplo leque de centro-esquerda, mas não necessariamente o apoio de direita. Embora, não exclua também, que a direita mais progressiva, menos reacionária, menos conservadora, se possa vir a interessar por uma linha de social-democracia”.
Depois de lermos isto, percebemos que, hoje, muitos dos herdeiros de Sá Carneiro, afinal, não o são. Isaltino Morais afirmou numa entrevista ao “Sol”, há algumas semanas, que o PSD tinha sido objeto de um ataque de cucos. Uma ave que não faz ninho, que põe os ovos em ninho alheio. Ao ouvirmos Sá Carneiro percebemos o que aquela afirmação queria dizer, muitos dos que afirmam ser herdeiros de Sá Carneiro ou não conhecem ou aderiram ao partido errado. Mas se os seus herdeiros deturparam ideologicamente o que o fundador pretendia, a verdade é que este acertou na mouche na sua análise do País. Ontem e hoje.
Portugal continua em grande medida a ser o País atrasado de 1974, o que constitui um dado objetivo, se nos compararmos com os nossos pares europeus mais desenvolvidos. Pior do que isso, o ritmo do nosso desenvolvimento, particularmente desde 2001, tem sido bem mais lento do que o daqueles que connosco competem e se comparam, o que nos vai deixando mais para trás, até termos de dizer, de novo, que “o nosso atraso é tal que a política a fazer é muito progressiva e muito progressista”.
A forma como desperdiçamos o território e os recursos que temos, de si relativamente pouco abundantes, é, também, um dado objetivo. Este ano, pelos condicionamentos da pandemia, optei por fazer férias em Portugal. Percorri o País de Lisboa ao Alentejo, deste ao Algarve, depois o Minho, Trás-os-Montes e Beira Alta.
Neste caminho, encontrei um litoral com manchas de pobreza lamentáveis, como as barracas miseráveis em Faro, e também a sul dei conta do desordenamento do território algarvio, fora das manchas de bem-estar dos condomínios ou das zonas com maior intensidade turística, mas a verdade é que nem mesmo todas estas escapam.
Vi, também, o abandono do interior e, mesmo tendo em conta que alguma coisa está feita, surpreende-me, sempre, o muito que está por fazer em aproveitamento turístico, por exemplo, nas margens do rio Douro, com o Pinhão e a Régua incluídos.
Este atraso estrutural, de que parece não nos conseguirmos libertar, torna Sá Carneiro perfeitamente atual. O seu projeto, de centro e centro-esquerda, nunca foi verdadeiramente concretizado, apesar do muito que se conseguiu, especialmente até ao início do milénio, porque, depois, mergulhámos na estagnação, no marasmo.
Há demasiado tempo não temos um discurso público que dê centralidade à criação de riqueza. Temos muitos discursos sobre corrupção, impostos ou distribuição, mas ninguém fala ao Povo de criação de riqueza. De como fazer para criar bem-estar.
Quando viajamos pelo país, damos conta das bolsas de incrível transformação da realidade territorial, mas do também do bem-estar que a mudança indicia. Continuando a viajar, o que não encontramos é um projeto nacional.