Já imaginaram o ministro Pedro Nuno Santos a perdoar a renda de casa a 70.000 portugueses, arrepiando caminho para ser eleito o próximo secretário-geral do PS e putativo primeiro-ministro?
Pedro Nuno Santos não o fez, mas fê-lo o presidente da Câmara Fernando Medina. Vou explicar aquilo que foi feito e aquilo que não foi feito no contexto da pandemia.
Vou começar por aquilo que não foi feito: o Governo não decretou uma suspensão, muito menos um perdão generalizado de rendas.
No arrendamento urbano, o Governo legislou no sentido de impedir o despejo por falta de pagamento e criou um mecanismo para o inquilino não pagar a renda ao senhorio, mas pedindo, para esse efeito, um empréstimo ao Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) – tutelado pelo ministro Pedro Nuno Santos.
Porém, essa possibilidade e esse empréstimo estavam sujeitos a condições: desde logo a comprovada perda de rendimentos. É verdade que esse mecanismo, por falta de meios, tem funcionado deficientemente. Centenas de putativos empréstimos ainda se encontram em análise com a triste consequência de muitos senhorios não terem recebido as rendas, nem dos inquilinos nem do Estado central – que mais uma vez é mau pagador.
O Governo legislou bem: quem pode, continua a pagar, quem não pode recorre ao empréstimo do IHRU. É uma solução justa e equilibrada, sujeitando as pessoas à prova de perda de rendimentos e estabelecendo um mecanismo publico de empréstimos em caso de comprovada necessidade.
É verdade que o processo é lento e moroso. Mas uma suspensão ou perdão generalizado de rendas teria feito o mercado colapsar.
E o que fez o presidente Fernando Medina? Fez o contrário. O autarca decretou a suspensão automática de 24.000 rendas a 70.000 lisboetas.
Fê-lo sua página de Facebook no dia 31 de março «A CML vai suspender, com efeitos imediatos, e até 30 de junho, as rendas das 24.000 casas municipais. O valor que não será cobrado poderá ser liquidado durante 18 meses, sem juros. A qualquer momento as famílias poderão solicitar a reavaliação do valor das rendas (…)».
O assunto habitação municipal tornou-se um tabu, mas não devia sê-lo. Devemos abordá-lo com a seriedade dos factos.
Foi uma suspensão de pagamento, automática, imediata e generalizada para os 63 bairros municipais, para as 24.000 casas, para uma população entre as 70.000 e as 90.000 pessoas. Ora, esses bairros têm situações económico-sociais distintas umas das outras. Muitos residentes pertencem à classe média, há muitos funcionários públicos a residir nas casas municipais. Mesmo admitindo que haja muitos residentes que recebem subsídios do Estado, esses subsídios não diminuíram durante a pandemia. A CML tem uma empresa municipal (Gebalis) com 218 funcionários que se ocupam exclusivamente da administração e gestão dos bairros, tem os meios necessários. O IHRU tem 188 funcionários para o país todo. A Gebalis tem mais funcionários do que o IHRU! (Números constantes dos Relatórios e Contas de 2019 de ambas as entidades)
A Câmara não devia ter suspendido automaticamente o pagamento das rendas das 24.000 casas. Errou. Em primeiro lugar porque a Câmara não ia despejar ninguém, ao contrário do que sucede no mercado privado de arrendamento. Os inquilinos já gozam da proteção de não serem despejados. Devia, isso sim, ter estabelecido, como fez o Governo, que em caso de comprovada perda de rendimentos, se estabeleceria uma forma faseada de pagamento. Aqueles cuja vida não tivesse sofrido alteração, continuavam a pagar. Isto é que era justo. Isto é que é boa gestão da coisa pública. O princípio tem sempre de ser o mesmo, no público e no privado: quem pode, paga. Quem não pode, não paga.
Um último facto: o pagamento faseado de todas as rendas de todas as 24.000 casas, onde moram pelo menos, 70.000 pessoas, dezoito meses depois, conforme foi feito, termina precisa e rigorosamente em setembro de 2021. Coincidência das coincidências, há eleições autárquicas em outubro de 2021.