por José Manuel Azevedo
Economista
A Marquesa tinha ido passar uma temporada a Monte Carlo. Telefona para saber como vão as coisas…
– Vai tudo muito bem, Senhora Marquesa, mas há um pequeno senão… A sua égua cinzenta morreu.
– Como é isso possível? – pergunta. Na verdade, explicam-lhe, a égua morrera porque os estábulos tinham ardido, isto porque o castelo fora destruído pelas chamas, incêndio por sua vez causado pelo suicídio do Marquês – que estava na falência – e que derrubara umas velas que pegaram fogo ao dito castelo. Impulsionadas pelo vento, as chamas destruíram os estábulos, daí a morte da égua.
Esta canção francesa, da terceira década do século XX (1935) pode servir para ilustrar como vai este país e o mundo. Permitam-me que me centre sobre Portugal.
Todos vemos parte do comércio de rua, em especial o pequeno comércio, a fechar portas – ou ainda de portas fechadas, à espera de melhores dias… Pontos de retalho de prestígio, no Chiado, no Príncipe Real, para citar apenas dois locais emblemáticos de Lisboa, encerraram.
O número de empresas em processo de layoff tradicional, ou seja, tal como previstos no Código do Trabalho, tinha atingido o auge, passando de 138 em abril para cerca de 4600 em maio. E o número de trabalhadores alvo desse regime subira vinte e uma vezes, de aproximadamente 2000 para um pouco mais de 44 mil.
Ah, mas afinal tinha sido engano. Estes números incluíam, retificariam em finais de agosto o Instituto de Informática e o Instituto da Segurança Social, os processos de layoff simplificado, do que resulta que a quantidade de empresas que recorreu ao tradicional era apenas de 245 em maio, 231 em junho e de 207 em julho. Já quanto aos trabalhadores, estávamos a falar de 5200 em maio, 4834 em junho e 4104 em julho. Ou seja, sempre em decréscimo, uns e outros números…
O desemprego, diz o INE, aumentou – em junho havia cerca de 4,7 milhões de pessoas empregadas, 155 mil menos do que em março e menos 181 mil do que em fevereiro. Refere-se, em sentido inverso, que, entre maio e junho, quando se deu o desconfinamento da economia, mais 2600 pessoas encontraram emprego. Em Junho, o número de desempregados subiu para 351 mil (mais 21,2% do que em maio e mais 3% do que em junho, ambos meses do ano anterior. A taxa de desemprego dos jovens, essa, aumentou para 25,6%…
Quanto à dívida pública, já se sabe, a subida continua imparável! Segundo o Banco de Portugal, em julho tal dívida era de 132% do PIB, correspondendo a 264,4 mil milhões de euro, recorde dos recordes. Se nos lembrarmos de que em julho de 2019 a dívida total dos portugueses (dívida pública, das empresas e dos particulares) rondava os 300% do PIB, imaginem em quanto estará agora…
Inevitável a referência à pandemia, até porque parte do que escrevi até agora também se lhe deve. Segundo os números do INE, morreram de 1 de março a 30 de agosto deste ano (por que não a 31 de agosto? Este agosto teve um dia menos do que o habitual? Ou será que se desconhece que agosto tem 31 dias?) morreram nesse período, dizia, mais 5882 pessoas do que nos mesmos 6 meses de 2019. Não custa acreditar que assim seja – quantas pessoas deixaram de ser assistidas durante esses meses? Quantas consultas e quantas cirurgias, muitas por certo necessárias, ficaram por fazer? Dando de barato a habitual discrepância entre os números oficiais, neste caso do INE e do Ministério da Saúde (estes últimos registam, nesses quase 6 meses, 58330 mortes em 2020, contra 52275 no ano de 2019, ou seja, mais 6055, não 5882), alguém se interroga por que razão o falecimento de 5859 delas, ou seja, um pouco mais de 10%, esteja “sujeito a investigação”? E quantas mortes tivemos associadas à covid nesse mesmo período? Só 1822?
Por último, o flagelo das mortes nos lares. Em meados de Agosto, 40% das mortes por covid-19 foram de pessoas cuja residência era em instituições deste tipo, privadas ou públicas, de luxo, de ‘sobriedade’ ou de miséria. Mesmo que esta situação se verifique em países bem mais desenvolvidos do que o nosso, quem pode orgulhar-se de ‘deixar morrer’ algumas centenas de velhos – essa é a expressão adequada, não ‘idosos’ ou ‘seniores’, hoje em dia muito em voga – por incúria, desleixo, falta de preparação profissional e insuficiência de recursos humanos? Que sociedade, esta em que vivemos!
Se a isto tudo somarmos os milhares de milhões injetados no Novo Banco (pelos créditos não pagos concedidos a diversas entidades sonantes, de que apenas algumas são do conhecimento público), vai tudo muito bem, não vai?