Portugal e os Países Baixos assinaram ontem o memorando de entendimento tendo em vista o desenvolvimento do projeto para a produção de hidrogénio verde em território nacional. O acordo com os Países Baixos era há muito dado como certo, acabando por ser assinado horas depois de o Ministério do Ambiente ter garantido ao i que a formalização do mesmo estaria “a ser ultimada” e seria “comunicada muito brevemente”.
Este acordo – assinado pelo ministro João Pedro Matos Fernandes e pelo ministro dos Assuntos Económicos e da Política Climática dos Países Baixos – é a chave para o arranque efetivo do projeto, uma vez que permite a candidatura ao financiamento através do Projeto Importante de Interesse Europeu Comum (IPCEI na sigla inglesa), que, segundo as regras comunitárias, terá de ser concretizada por pelo menos dois Estados-membros.
Em comunicado, o Governo explica que “o memorando prevê o desenvolvimento de uma cadeia de valor estratégica de exportação-importação, garantindo a produção e o transporte de hidrogénio verde de Portugal para os Países Baixos e o seu hinterland, através dos portos de Sines e de Roterdão”. Para além da exportação para os Países Baixos, o Executivo de António Costa espera ainda fazer chegar a nova energia à região do Vale do Ruhr, a mais industrializada da Alemanha.
Portugal beneficia com “chumbo” holandês A assinatura do memorando surge apenas dois dias depois de anunciada a decisão da Comissão Europeia de não autorizar a estratégia holandesa para a produção de hidrogénio no país (como a eletricidade nos Países Baixos ainda é produzida principalmente a partir de gás natural e carvão, Bruxelas defende que a produção de hidrogénio no país teria como consequência aumentar as emissões de carbono). Ao i, fonte do Ministério do Ambiente já havia admitido que esta decisão reforçava a posição de Portugal neste processo. “Se, antes da decisão da Comissão, os Países Baixos já reconheciam que precisavam de importar hidrogénio verde de Portugal, após a decisão da Comissão terão de importar ainda mais, porque os seus planos de apoio à produção interna não foram considerados viáveis”, refere. Coincidência ou não, a verdade é que a assinatura do acordo parece agora ter sido acelerada.
Neste momento, porém, continua por definir quanto vão pagar pelo hidrogénio português os países importadores. O Ministério do Ambiente já admitiu ao i que “essa avaliação ainda decorre, numa lógica de otimização técnico-económica – dúvidas que não fazem esmorecer a aposta de Portugal nesta tecnologia, como ficou comprovado esta semana, quando o Governo anunciou mais 900 milhões de euros de apoios ao investimento e à produção, pelo menos, até 2030, para compensar os elevados custos de produção do hidrogénio verde – dependente de fontes de energia renováveis (solar, fotovoltaica e eólica) – em comparação com o gás natural.
O investimento do Estado pode até ser maior, pois a Estratégia Nacional para o Hidrogénio (EN-H2) admite que só em 2035 esta tecnologia se tornará competitiva no mercado (com o aumento do preço do gás natural, devido ao agravamento dos preços do carbono). Segundo os preços de mercado atuais, o hidrogénio verde custa pouco mais de três euros/quilo, muito acima dos 50 cêntimos/quilo do gás natural. Se Portugal não conseguir, neste capítulo, uma relação favorável, arrisca-se mesmo a custear a descarbonização dos Países Baixos e de outros compradores, durante quase uma década.
Recorde-se que na apresentação da EN-H2, aprovada em agosto, o ministro Matos Fernandes apontou para investimentos privados no projeto entre os 7 mil milhões e os 9 mil milhões de euros, e a criação até 12 mil novos empregos, diretos e indiretos. Segundo o calendário do Governo, deverá ser lançado no próximo ano o primeiro leilão para a produção de hidrogénio verde em Portugal. A produção poderá começar no final de 2021 ou no início de 2022.