por Francisco Rocha Gonçalves
Vice-Presidente da Câmara Municipal de Oeiras
O debate político no espaço público português tem-se transformado num combate de proximidade, algumas vezes de corpo a corpo, certamente de palavra a palavra, promovido pelos extremos do espectro político.
Diga-se que esta marcação cerrada, extremista, não é um exclusivo nacional e tem, aliás, acontecido em muito do que é esta Europa, mas, em Portugal, porta-se como uma tenaz.
O confronto constante entre as margens dá, por vezes, a sensação de que estas se sobrepõem ao leito, que somos nós, a maioria, tentando fazer parecer que não existimos, e que isso acontece porque é esse mesmo o objetivo.
O que constitui o problema, e que corporiza todo o risco que enfrentamos, é o propósito destas franjas nos imporem conceitos e soluções que, em muitos casos, negam aquilo que consideramos ser a base da nossa forma de vida e de nos organizamos enquanto comunidade. Percebemos claramente isso quando somos confrontados com algumas das posições e propostas do Chega/Basta, agente mais recente no panorama político português, que tem utilizado os cotovelos para ganhar espaço e visibilidade, à força de sound bites e de polémica, em busca de relevância.
Mas a mesma perceção é mais difusa quando estamos a falar do outro lado do espectro, do Bloco de Esquerda, que utilizou o mesmo tipo de estratégia de afirmação, mas que, como completou duas décadas de assento parlamentar, se normalizou e até já apoia um governo e é percebido como parte do sistema.
No entanto, são duas faces da mesma moeda extremista, até na forma como se tentam impor, e continuam a ter como objetivos o concretizar de ideias, sendo que, muitas delas, são completamente contrárias ao que reconhecemos como direitos básicos dos cidadãos e ao modelo de sociedade que temos escolhido.
Mesmo quando não as vocalizam, as ideias estão lá, nos programas políticos que subsistem, nos regimes que apoiam e em que se reveem, na forma como perseguem a diferença de pensamento.
O Bloco de Esquerda tem como razão de ser a oposição ao capitalismo e, mesmo servindo de suporte ao governo socialista e aos seus orçamentos de Estado, continua a insistir na nacionalização de sectores inteiros da economia e na normalização do pensamento, como se se tratasse de calibragem de fruta.
O grande aglutinador, nesta visão, é o Estado, que se sobrepõe à pessoa.
Do outro lado do espectro, sem a carga ideológica herdada das “contribuições convergentes de cidadãs e cidadãos, forças e movimentos”, que resultaram no BE, mas compensando com a operacionalização de um oportunismo descarado, temos o Chega/Basta. Na cacofonia de posições que o enquadram, apresenta-se como o grande liberalizador, mas procurando a resposta para tudo, no Estado forte (como antes alguns procuraram num Estado Novo).
Os extremos tocam-se, nos objetivos e, até, na forma de afirmação, que utiliza a intolerância política como arma.
Para todos os outros, quando aceitamos a normalidade desta confrontação, assistindo sem intervir, sem lhes disputar o espaço, dando como certo que o bom senso, a tradição e os ideais que formatam o que somos enquanto indivíduos e comunidade, estamos a deixar que este veneno alastre mais um pouco e arriscamos ser contaminados com uma doença bem mais perigosa do que o Covid que nos mudou as vidas.