A análise genética das variantes do novo coronavírus detetadas em Portugal nos primeiros meses da epidemia revelou que uma única introdução em Portugal de uma variante idêntica à que circulava na Lombardia originou múltiplas cadeias de transmissão, que até 9/10 de abril explicavam um em cada quatro casos detetados no país. A conclusão foi apresentada ontem por João Paulo Gomes, investigador do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), que admitiu que as medidas tomadas em março travaram o que na região Norte e Centro foi uma disseminação massiva. A Sul, foram raros os casos desta variante, sinalizada na zona industrial do Norte, o que leva a equipa a acreditar que as medidas implementadas com o estado de emergência “estrangularam” a disseminação massiva no resto do país. Recorde-se que, nos primeiros dois meses da epidemia, a região Norte teve mais do dobro dos casos da região de Lisboa, onde os casos só começaram a aumentar a partir do final de abril e sobretudo após o desconfinamento.
O investigador explicou ainda que o vírus terá começado a circular dez dias antes de ser detetado, tendo provavelmente entrado no país por volta de 20 de fevereiro. Os primeiros casos de covid-19 foram confirmados no Porto a 2 de Março: um doentes tinha estado em Itália e outro em Espanha. Ao i, o investigador já tinha explicado que estes não terão sido os primeiros casos e nem a origem das cadeias de transmissão iniciais, já que os contactos foram logo rastreado. Dentro de três semanas, o INSA vai apresentar conclusões mais detalhadas que permitirão perceber que medidas foram mais eficazes, um estudo retrospetivo que permitirá “lições” para a segunda vaga ou uma futura pandemia.
Vantagem seletiva?
Ao todo, a equipa do Instituto Ricardo Jorge fez a sequência genética de 1785 genomas de SARS-CoV-2 detetados em Portugal, a partir de amostras de doentes infectados em vários pontos do país. João Paulo Gomes explica ao i que não é possível estimar de forma realista qual teria sido a disseminação da variante que dominou as primeiras cadeias de transmissão se não tivessem sido tomadas medidas em março, mas tudo sugere que poderia ter sido maior. Por outro lado, não existe uma explicação fechada. "Verificámos que a frequência relativa desta variante genética foi aumentando ao longo do tempo quando comparada com os outros SARS-CoV-2 em circulação, sugerindo, hipoteticamente, que esta variante tenha alguma vantagem selectiva. Em particular, estimámos que a sua frequência relativa durante a fase exponencial da pandemia no nosso país subiu dos 12% até aos 33% (a partir daí não tivemos dados que permitissem fazer mais estimativas). Portanto, poder-se-á especular que, eventualmente, sem medidas restritivas, esta variante genética dominaria em termos de frequência o mapa de COVID-19 em Portugal", diz ao i o investigador.
João Paulo Gomes refere ainda o chamado “founder effect” (“efeito fundador”), que poderá também ter contribuído decisivamente para a sua disseminação massiva. "Ou seja, sendo a primeira (seguramente uma das primeiras) variantes genéticas do SARS-CoV-2 a chegar ao país, ter-se-á espalhado e originado várias cadeias de transmissão mesmo antes de outras variantes aqui serem introduzidas, criando então este enorme desequilíbrio. O mais sensato é, aliás, considerar que estas duas razões (vantagem selectiva e efeito fundador”) tenham contribuído paralelamente para o cenário que observámos", explica. "Para além disto, estávamos muito no início da pandemia e os critérios de testagem não eram naturalmente os mesmos que temos hoje em dia, não obrigando por exemplo, à realização de testes para quem regressasse de Itália, Espanha".
A variante proveniente da Lombardia, caracterizada por uma mutação (D839Y) na proteína spike, foi responsável por exemplo pelo grande surto de Ovar, nos primeiros meses o concelho com mais casos por 100 mil habitantes, epidemia travada pela cerca sanitária entre 17 de março e 17 de abril.