Donald Trump foi hospitalizado "por precaução" esta sexta-feira à tarde, menos de 24 horas depois de ter recebido o resultado positivo para a infeção com sars-cov-2. A informação sobre o estado clínico do Presidente norte-americano tem sido desde então actualizada pelo médico presidencial, Sean Conley. O médico que acompanha Trump começou por informar que, como medida preventiva, o Presidente tomara uma dose única de oito gramas do cocktail de anticorpos policlonais da farmacêutica Regeneron, além de diariamente já tomar vários suplementos, entre os quais zinco, vitamina D, famotidina, melatonina e uma aspirina diária (esta indicada em muitos casos para prevenir problemas cardíacos). Já depois deste memorando, Sean Conley informou que Trump, que segundo a última nota tem febre baixa, congestão nasal e tosse, tinha iniciado o tratamento com remdesivir.
Se é impossível prever com será a evolução do quadro clínico, ambos os tratamentos – o primeiro ainda em fase experimental – e o segundo, objeto de autorização do regulador norte-americano do medicamento (FDA) para o uso no tratamento da covid-19 (tinha sido desenvolvido para o tratamento do ébola) são compatíveis com um quadro clínico ligeiro a moderado, pelo menos nos EUA.
Resultados há três dias
No caso do cocktail de anticorpos, segundo a empresa a ideia é mesmo ser tomado numa fase inicial da infeção. Os últimos resultados dos ensaios tinham sido divulgados pela empresa Regeneron há apenas três dias e as ações da farmacêutica valorizaram já esta sexta-feira.
Os resultados dos ensaios clínicos do cocktail que ainda está em investigação sugerem que a toma reduz a carga viral e melhora os sintomas de doentes que não estão ainda hospitalizados, portanto casos de manifestações ligeiras como tem sido descrita a situação de Trump. Em comunicado, o presidente da empresa, George D. Yancopoulos, afirmou que o melhor resultado tinha sido em pessoas que ainda não tinham começado a responder à infeção, portanto sem sintomas, "sugerindo que o cocktail pode ser uma alternativa terapêutica à resposta imunitária natural".
Até então tinham participado nos ensaios 275 doentes, sendo que terão sido ainda menos os que fizeram a infusão de oito gramas (a maior testada) dada a Donald Trump.
Este é um dos pontos que tem sido suscitado alguma dúvida na imprensa norte-americana: dar um tratamento experimental, ainda numa fase tão preliminar, ao Presidente norte-americano deverá ter sido uma decisão ponderada. O processo no entanto não é inovador, já que o método de produção de anticorpos policlonais e monoclonais não é novo. Trata-se de produzir em laboratório anticorpos que reagem a antigénios específicos, aqui o vírus SARS-COV-2 e a sua proteína spike, que o vírus usa para entrar nas células dos hospedeiro. Com esta infusão de anticorpos modula-se a resposta do sistema imunitário para uma reação mais eficaz, para tentar que o organismo responda como se já tivesse tido contacto prévio com o vírus.
Nos EUA, o remdesivir foi alargado em agosto a casos moderados
Já o remdesivir é um medicamento antívirico cujo o objetivo é travar a replicação viral: o alvo é mesmo o vírus. Logo nos primeiros meses da epidemia começou a ser testado nos casos mais graves para se perceber o efeito no prognóstico dos doentes em que a infeção compromete a capacidade respiratória e de oxigenação no sangue e precisam de tratamentos mais invasivos como ventiladores. Viria a ser o primeiro tratamento com indicação formal para uso na covid-19 autorizada pelos reguladores de medicamentos.
Na Europa, a autorização foi conferida pela Agência Europeia do Medicamento em junho. Está indicado para o tratamento de jovens e adultos com mais de 12 anos diagnosticados com pneumonia causada pelo covid-19 e que precisem de oxigénio suplementar. É a indicação também aprovada em Portugal, onde o medicamento também começou por ser usado a título experimental e faz agora parte do arsenal terapêutico mas apenas nos quadros em que existe pneumonia, uma situação que esta sexta-feira não tinha sido apontada como o quadro clínico de Trump.
Os ensaios demonstravam na altura que os doentes que faziam remdensivir recuperavam em média em 11 dias, contra 15 dias no grupo que tomou um placebo, um efeito que segundo a EMA não tinha sido demonstrado em doentes com sintomas ligeiros a moderados – neste grupo a recuperação fora em média de cinco dias em ambos os casos. "Para doentes graves, que constituem aproximadamente 90% da população no estudo, o tempo de recuepração foi de 12 dias no grupo que tomou remdesivir e 18 dias no grupo do placebo. No entanto, não foi encontrada diferença no tempo de recuperação de doentes que começaram o remdesivir quando já estavam em vencilação mecânico ou ECMO (o sistema de oxigenação extracorporeal)", indicou na altura a EMA.
Se esta se mantém a posição e indicação na Europa, há cerca de um mês o regulador norte-americano FDA estendeu a indicação para o uso de remdesivir a doentes hospitalizados com quadros moderados e não apenas em casos já graves. A decisão foi então justificada com dados adicionais referentes a um ensaio autónomo randominizado em que doentes com quadros moderados de covid-19 foram tratados com este medicamento. A conclusão foi que, no geral, a probabilidade de os sintomas estare melhores 11 dias depois foi significativamente maior no grupo que tomou o remdesivir por cinco dias do que naqueles que receberam os cuidados habituais. Em termos de mortalidade, não variou. No 28o dia após a infeção, foi igual ou inferior a 2% em todos os participantes neste estudo (cerca de 600).
"Os dados mostram que este tratamento tem o potencial de ajudar ainda mais doentes hospitalizados que sofrem os efeitos deste vírus devastador ”, disse na altura o comissário da FDA Stephen M. Hahn. Trump pode até aqui não ter concordado com os adjetivos mas em poucas horas passou a poder olhar para a doença noutra condição. "Estou bem, acho eu", escreveu esta noite no Twitter, a primeira no hospital.