França. O príncipe do parque!

Em março de 1973, Eusébio fez a sua última grande exibição pela seleção nacional. No Parque dos Príncipes, os franceses ficaram fascinados.

Dificilmente algum adversário é tão embirrento para nós como o que entra em campo amanhã à noite, no_Parque dos Princípes. A vitória por 1-0 em Saint-Denis de 2016 foi a única oficial até ao momento. De resto, seis triunfos contra 16 e apenas um empate, com três meias-finais perdidas pelo caminho. Antes da final do Europeu vínhamos de dez derrotas a fio. Os dois últimos triunfos tinham sido precisamente em Paris, em 1973 e 1975.

Recordemos uma vitória com tanto de especial. 4 de março de 1973, no Parque dos Príncipes, Eusébio era o capitão e o n.º 10 de Portugal que defrontava a França. Ele não sabia ainda, mas vai assinar aí a sua última extraordinária exibição com a camisola das cinco quinas. Os jornais franceses contam: ‘Guarda negra para Eusébio!’. Guarda negra: contra Eusébio, utilizariam dois centrais altos, fortes e negros – Adams e Marius Trésor. Eusébio nem ligou aos avisos. Também não ligou ao facto de a França se ter adiantado no marcador, aos 36 minutos, por Molitor. Dois minutos depois, empata, num ‘penalty’ a castigar falta de Trésor sobre Abel. No último minuto do jogo, como que para assinar o ‘grand finale’ ao seu estilo único, um centro de Pavão, na esquerda, apanha de surpresa todos os habitantes da grande-área francesa menos Eusébio: um mergulho, um desvio de cabeça, um golo bonito! Cornus, o guarda-redes francês, conformou-se: «Aquele golo de Eusébio deixou-me siderado! Na posição em que ele se encontrava esperei que ele fizesse o remate com o pé e nunca com a cabeça. É claro que, quando ele meteu a cabeça, fiquei logo batido. Não tive qualquer hipótese! Não foi golo – foi um golão!». A imprensa francesa reservava-lhe, mais uma vez, a habitual ladainha de elogios. Dany Rebello, jornalista do Journal du Dimanche, em título: ‘Eusébio derrotou a França!’. Manchete do L’ Équipe: ‘Et, par dessus, ils avaient Eusébio…’. E, no interior, em quatro páginas de crónica e reportagem: ‘Eusébio, le roi du Parc’. Primeira página do Parisien Liberé: ‘Un vrai festival Eusébio!’.

Também nesse dia, uma maldição desvanecia-se: Portugal ganhara pela primeira vez em França!

Preparação

José Augusto, o selecionador, viajou disposto a aplicar no Parque dos Príncipes a estratégia que engendrara para os jogos seguintes de qualificação para o Mundial de 1974: a introdução do belenense Quaresma na linha de meio-campo (ele que sempre fora um central), para as futuras marcações aos fantasmas que se erguiam ameaçadoramente no horizonte: George Best e Bonev; Irlanda do Norte e Bulgária, mas a eficácia do sistema ficou por provar em Paris. Primeiro porque os diferendos contratuais entre o Sporting e Peres tinham feito com que o esquerdino se autoexilasse no Canadá a jogar futebol de salão, perdendo Portugal um dos seus jogadores mais criativos – a seleção entraria em campo sem qualquer jogador do Sporting, algo de inédito na época; depois porque a lesão de Humberto Coelho, logo aos 7 minutos de jogo, obrigou a que Quaresma recuasse para central, ao lado do seu companheiro de equipa, Freitas, perdendo-se a possibilidade do tal teste pelo qual o selecionador tanto ansiava. 

Foi, ainda assim, um jogo mais de luta do que de técnica no qual o futebol combativo de Artur, Quaresma, Freitas, Adolfo, Toni e Abel, levou a melhor sobre a habilidade de Nené, Simões, Artur Jorge e Dinis (estes entrando no decorrer do desafio). Pavão e Eusébio foram a simbiose entre a força e a arte e as grandes figuras da noite. 

Jean Eskenazi, crítico do Le Journal du Dimanche, conhecido por não dispensar um cravo vermelho na lapela, escreveria: «As duas equipas, França e Portugal, partilhavam em partes iguais a multidão de quarenta mil espetadores e o ambiente poderia ter-se considerado calmo se não fossem tantos os atentados cometidos ao espírito de jogo. Mas que ‘amigável’ tão esquisito!».

Nessa noite de março de 1973, Eusébio ofereceu a Paris todo o seu esplendor: o esplendor de Portugal! De barba mal semeada, casaco de lã escuro sobre uma camisola de gola alta branca, calças de fazenda à boca de sino, como era da moda, foi fotografado com Pelé no lobby do Victoria Palace Hotel. Depois, entrou no autocarro e seguiu com a equipa para o Parque dos Príncipes. Em seguida, encheu a alma dos espetadores e marcou o tal golo colossal, em voo. Parecia já nada mais haver para dizer sobre a categoria incomparável de Eusébio, chegado que estava à cátedra de uma carreira ímpar. «Só uma vez não marquei golos no Parque dos Príncipes», dizia Eusébio. «Foi contra o Stade de France e perdemos por 0-1. De resto, aqui não costumo falhar». 

Portugal realizara um exibição personalizada e dava a sensação de que os tempos das vitórias morais iam ficar para trás. A festa portuguesa de Paris foi indo noite dentro, pintada a vermelho e verde. Quinze dias mais tarde, Portugal empatou em Coventry por 1-1, não podendo o jogo realizar-se em Belfast por causa dos frequentes ataques do IRA. Eusébio marcou o seu último golo com a camisola das quinas. E fecharia a carreira por Portugal de forma triste, perdendo (1-2) e empatando (2-2) com a Bulgária. Já não tinha mais nada para dar.