Oo verdadeiro desespero – disse Camus – não resulta da dureza da luta, de a sentirmos como um combate desigual. Mas de não sabermos porque estamos a lutar e se de facto devemos combater».
Mas a verdade é que não faltam hoje razões para combater – e a principal é a liberdade.
Combater o islamismo e o feminismo (apesar da tolice inócua como este é visto pela indiferença da generalidade das populações). E se, no caso do islamismo, o perigo cresce e alarma cada vez mais gente – veja-se o crescimento do Chega –, o novo feminismo parece anunciar um desvio mais fugaz do que a explosão do seu inverso nos idos anos sessenta, de que foi expoente entre nós a publicação das Novas Cartas Portuguesas.
O contexto em que hoje este opera é, todavia, bem diferente. As forças políticas que hoje o apoiam e cavalgam não são da liberdade mas de um novo totalitarismo, num quadro de fraqueza e anemia da democracia liberal, vítima do seu próprio sucesso.
Em 1943, Lauren Bacall ensinava a Humphrey Bogart a arte de assobiar: «Você sabe como deve agir comigo, Steve. Não tem que dizer nada, nem fazer nada. Assobie apenas. E sabe como se assobia, não é? Junte os lábios e simplesmente sopre».
Hoje, um homem que assobie a uma mulher está sujeito a multa por ‘provocação sexista’. Querem penetrar em cada canto e recanto da nossa vida privada, quais voyeurs taradas a espreitar as nossas alcovas. Como escreveu Bérénice Levet num livrinho que a Gradiva editará em breve, Livrem-nos do Feminismo!, levaram-nos de Caríbdis a Cila, da sexualidade e desejo exaltados sem reservas para a sexualidade obscurecida e recalcada pelo feminismo.
Há 50 anos, era o Maio de 68 a reclamar o gozo do prazer reservado aos homens. Em 1975, Michel Foucault publicava Surveiller et punir; hoje, os seus discípulos menores, num contorcionista golpe de rins, policiam e ameaçam as nossas vidas com ministérios e comissões, vigiam e punem os nossos orgasmos.
Há 40 anos – porque importamos sempre com atraso – as expoentes do nosso feminismo igualmente made in France eram levadas a tribunal por proclamarem o desejo então reservado aos falos, cujo poder a lei e a ordem protegiam. Foi o tempo das ‘Três Marias’ e do seu grito de liberdade, afirmação de uma sexualidade feminina activa, desinibida, até no desmascarar a farsa de muitas pseudo-virilidades. Hoje é a maldição da carne, a denúncia da tirania do desejo, pecado mortal com que os homens de equipamento lamentavelmente ‘normal’ ofendem e oprimem.
De festa e fulgor, o corpo passou em 40 anos a ser tristeza; de reivindicação gritada, o desejo foi declarado pecado. E o Estado levou esta mixórdia para a escola e prega-a a crianças de dez anos.
E como não é possível argumentar contra a tolice, que faz refém o poder político e domina o que resta de bom senso e liberdade na comunicação social, só resta o recurso à expressão expressiva (passe a deliberada redundância) bem portuguesa: bardamerda!