A corrida às farmácias para a vacinação da gripe, que nestes locais começa a 19 de outubro, tem sido notória de norte a sul do país, com listas de centenas de pessoas a agendarem previamente a sua vacinação. No entanto, a escassez de vacinas encomendadas que chegam às farmácias tem originado queixas por parte dos farmacêuticos. Comentários como «algumas farmácias receberam entre 1 e 5 vacinas» ou «mais valia nem receber» podem ser lidos nas redes sociais.
A primeira fase da campanha de vacinação começou há cerca de duas semanas, a 28 de setembro, para grupos prioritários – idosos em lares, profissionais de saúde e grávidas –, com 350 mil vacinas disponíveis. E a segunda fase tem início já esta segunda-feira, com o Serviço Nacional de Saúde (SNS) a garantir vacinas de forma gratuita. Tal como nos anos anteriores, pessoas com mais de 65 anos têm acesso gratuito à vacina, assim como os doentes crónicos e os utentes dos lares. Profissionais de saúde, bombeiros, guardas prisionais e reclusos estão também incluídos na vacinação sem qualquer pagamento.
A covid-19, porém, tem criado muitos receios e complicações, principalmente nos mais velhos, que, devido ao contágio pelo novo coronavírus, evitam os centros de saúde e optam por reservar a vacinação nas farmácias – ou então não recebem qualquer resposta por parte dos centros de saúde. Ao SOL, a farmacêutica Isabel Rodrigues, do concelho de Felgueiras, admitiu, no entanto, que aquilo que tem chegado às farmácias não é, de todo, suficiente.
«Pedimos uma totalidade de 250 vacinas, 150 a um fornecedor e 100 a outro. Um dos fornecedores enviou-nos 41 e o outro vai enviar 12. E ainda dizem que na segunda quinzena de novembro enviam uma remessa igual a esta primeira», começou por dizer, sublinhando também a «procura anormal» das vacinas este ano nas farmácias. «Neste momento tenho uma lista de reservas de cerca de 170 vacinas. Parte delas são para pessoas que têm direito às mesmas gratuitamente no centro de saúde, mas, por falta de resposta dos mesmos, preferem tomar na farmácia. Estamos a falar de um meio pequeno com população maioritariamente idosa que não tem facilidade de ir ao centro de saúde vezes sem conta até lhes ser administrada a vacina», atirou a farmacêutica, garantindo ser «complicado» para os profissionais explicar aos utentes «que não vai haver vacinas para eles».
Isabel Rodrigues vai mais longe e sublinha que a escassez de vacinas nas farmácias está igualmente relacionada com a entrega feita pelas empresas. «Outro problema da falta de vacinas está relacionada com a origem das mesmas. No ano passado, as farmácias receberam vacinas da Mylan (Influvac) e da Sanofi (Vaxigrip tetra). Este ano, a Sanofi não vendeu às farmácias, só para centros de saúde, fazendo com que as quantidades que chegam às farmácias, no seu total, sejam menores, porque faltam as vacinas da outra empresa», revelou.
A falta de vacinas da gripe acontece também nas farmácias da capital. No centro de Lisboa, o SOL sabe que há farmácias que receberam menos de 25% das reservas efetuadas, ficando muito aquém do necessário para satisfazer as necessidades dos utentes.
Menos 100 mil vacinas
Questionado pelo SOL, o secretágio-geral da Associação Nacional de Farmácias, Nuno Flora, esclareceu que o contingente de vacinas disponibilizadas para as farmácias é de 500 mil, menos 100 mil do que no ano passado.
«A procura aumentou, sentimos isso. Mas normalmente a entrega é feita por tranches. A primeira já foi entregue entre quinta e sexta-feira, chegando na segunda-feira, e a segunda tranche começa no início de novembro», avançou, negando a falta de vacinas nas farmácias.
Luís Cunha, diretor técnico de uma farmácia em Lisboa, alerta, porém, que esta situação pode agravar ainda mais a resposta à pandemia este inverno. Ao SOL, mostra-se muito preocupado com a forma como está a ser gerido todo o processo de vacinação.
«O Estado açambarcou quase a totalidade das vacinas e as farmácias estão a receber 20% do pedido. As farmácias vacinam todos os anos pessoas de grupos de risco que desta forma podem ficar excluídas», alerta o farmacêutico, explicando que até por receio de ir ao centro de saúde ou dificuldades nos serviços sobrecarregados com a gestão de casos de covid-19, o reduzido número de vacinas distribuídos às farmácias pode pôr em causa a cobertura vacinal no ano em que era mais importante ser reforçada: «Temos tido uma evolução positiva todos os anos, corremos de baixar a cobertura no ano em que era mais necessário reforçá-la».
Das 400 vacinas encomendadas, receberam 90. Em lista de espera desde de agosto, só nesta farmácia, há 300 pessoas, a maioria idosos e pessoas com doença crónica, explica Luís Cunha. O farmacêutico denuncia o facto de alguns centros de saúde estarem a estabelecer protocolos com juntas de freguesia para que a administração da vacina seja feita fora das instalações da saúde e de haver planos para o recrutamento de estudantes de enfermagem e outros voluntários para realizar estes atos.
«Quais os procedimentos no caso de uma pessoa ter um choque anafilático? Onde está a adrenalina se for necessário? Quem faz o controlo de temperatura de conservação das vacinas? Estamos no Ruanda?», questiona.
Outra critica é dirigida à Direção-Geral da Saúde, que pediu a colaboração das farmácias para vacinar os grupos prioritários que começaram a receber a vacina há duas semanas, como idosos e profissionais de saúde: «Foi dito que iriam ser enviadas vacinas para administrarmos gratuitamente e não chegaram».
A bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, por seu turno, não quis tecer comentários.
Já o Ministério da Saúde sublinhou ao SOL que não tem conhecimento de atrasos, «até porque a segunda fase de vacinação acontecerá a partir de segunda-feira e as vacinas chegam em tranches, ou seja, não chegam todas no primeiro dia».